
Black Hat, 2021. Foto: © Amoako Boafo
Soul of Black Folks, a primeira individual de Amoako Boafo nos EUA, apresenta mais de trinta obras criadas entre 2016 e 2022, incluindo a pintura de parede Pink Black Sofá, um site-specific feito para o Museu de Arte Contemporânea de Houston. Os temas de suas pinturas representam as nuances e complexidades da vida negra globalmente. Condições como o COVID-19, a resistência constante à opressão sistêmica, o combate ativo à retórica antinegra e a mercantilização dos corpos negros na mídia são algumas das preocupações que aumentam a urgência e relevância desta exposição.
O título da exposição é inspirado em um estudo etnográfico seminal sobre a vida dos negros além dos filtros da raça, conduzido pelo sociólogo e pan-africanista W. E. B. Du Bois, The Souls of Black Folk, publicado em 1903. Du Bois conduziu uma pesquisa que resultou na cunhagem da frase “dupla consciência”, que evoca a sensação de que os negros constantemente precisam olhar para si mesmos pelos olhos dos outros. O texto de Du Bois serve como um convite para pensar profundamente sobre a prática artística de Boafo e como ela desafia um olhar “outro” sobre a figura negra.
As pinturas de Boafo são profundamente pessoais e intimamente ligadas à própria experiência como artista ganense que vive e trabalha entre Viena e Accra. Suas obras servem como meio de autopreservação – uma celebração de sua identidade, das pessoas negras e da negritude. A seguir, leia a entrevista com o jovem pintor.

Amoabea – Masked, 2020
Foto: © Amoako Boafo.
LOM: Você pode falar sobre como Gana o influenciou como pessoa, como você pensa sobre arte, como vê o mundo?
AB: Para mim, Gana é um lugar onde tenho muita liberdade e o porquê de eu saber trabalhar com o que tenho ou com o que recebo. Procurei replicar isso no meu estilo de pintura.
LOM: Você cresceu em Gana e foi para Ghanatta, uma escola de arte frequentada por muitos artistas figurativos proeminentes de Gana. Você pode falar um pouco sobre essa experiência?
AB: Sim. É triste que Ghanatta não esteja mais lá, mas era um espaço onde você era apresentado ao básico do desenho e da pintura, a tudo o que você precisava saber. Era mais baseado na prática, então você tinha que fazer muitas vezes, e essa repetição ajudava a realmente obter a técnica. Isso é o que Ghanatta foi para mim, acertar o básico.
LOM: Foi lá que você percebeu que queria levar a arte a sério como carreira, ou foi algo que você sempre sentiu que queria fazer?

Basquiat – Buttoned Jacket, 2020 . Foto: © Amoako Boafo.
AB: Não, a arte não era nada séria. Para mim, o tênis era. Eu queria fazer arte, sim, mas eu não tive chance quando eu era jovem, então o tênis era para onde eu planejava ir, tênis foi a minha saída, então eu fiz disso meu primeiro amor. Então, mais tarde, eu tive a chance de voltar para a escola, para a arte. Minha ideia era na linha: “Sim, isso é algo que eu adoraria fazer, então talvez eu faça socialmente, caso eu ganhe um bom nome e um bom dinheiro com o tênis, pelo menos eu terei um hobby”. Mas levei a arte tão a sério que, quando quis voltar ao tênis, não consegui. Quando voltei às quadras, vendo o quão à frente as pessoas com quem eu comecei estavam, tive que decidir: “Sim, acho que vou ter que me ater à pintura então”, e aqui estamos.
LOM: Você também estudou em Viena. Você pode falar sobre como essas duas experiências trouxeram você até aqui?
AB: Bem, Ghanatta lhe ensina o básico, Viena basicamente lhe dá a liberdade de experimentar. Quando cheguei a Viena, fiquei “encalhado”. No começo, não foi fácil, porque eu não sabia jogar com essa liberdade. Não sei como cheguei lá, mas tive que me convencer de que conhecer o básico da pintura é bom e isso deve dar a você a vantagem de poder expandir. Foi quando eu decidi que queria começar minha própria linguagem.
LOM: Temos trabalhos de 2016 a 2022. Você pode falar um pouco sobre como as coisas evoluíram para você? Começamos com os autorretratos: por que você começou com você como tema em uma jornada de construção de sua linguagem?
AB: Bem, quando eu fazia parte da maioria negra, não precisava explicar nada, mas quando cheguei a Viena, as noções deles sobre os negros eram diferentes, então senti a urgência de fazer algo para mudar aquela narrativa. Lembro-me de fazer trabalhos em que eu estava reclamando principalmente sobre por que eles nos viam do jeito que nos viam, então, de alguma forma, eu pensava: “Talvez eu devesse mostrar a eles como eu quero ser visto”. Então eu comecei com o autorretrato, porque senti que, por mais que eu soubesse que sou apenas uma pessoa de um grande grupo enfrentando isso, sou quem melhor sabe o que estou passando, então comecei a partir daí.
LOM: E quando você disse: “Ok, deixe-me mudar e começar a pintar meus amigos e pintar pessoas que admiro e que respeito”?
AB: Eu acho que, se você se pinta muitas vezes, você fica preso ali. Assim eu comecei a olhar para outras pessoas fazendo coisas interessantes e a partir daí passei para uma imagem que me informa como me sinto ou como quero ser visto. Às vezes, a maioria das personagens que pinto são personagens nas quais eu realmente me vejo.
LOM: Além, obviamente da figura, da representação da pele, a cor é uma parte muito importante do processo. Você pode falar sobre por que a cor e a moda são componentes tão importantes da prática?
AB: Para mim, moda é uma afirmação. É uma maneira de dizer como alguém se sente. Quando me visto ou quando vejo as pessoas se vestirem bem, isso me dá essa autoconfiança. Eu quero entrar parecendo afiado. Quero dizer, posso dizer todas as coisas erradas, mas a moda nunca está errada. Nas minhas pinturas, usei um pouco de ouro quando era iniciante, e não foi ruim, mas Klimt – artista de Viena que admiro – também usou ouro em suas pinturas. Embora eu sentisse que a maioria das pinturas que fiz anteriormente não tinham nada a ver com ele, apenas o uso de ouro fez as pessoas pensarem: “Ah, é legal. Como Klimt.” E eu: “Bem, Gana é a Costa do Ouro, então, se alguém está certo em usar ouro, deveria ser eu” …
Mas tive que me afastar porque queria ser o mais único possível, e eu queria poder mostrar meu trabalho de uma forma que não fosse ligada à brancura, e também não queria muitas coisas acontecendo na tela, queria que a figura fosse o foco principal. Então comecei a tirar qualquer coisa que eu sentisse que iria distrair da figura, e foi assim que comecei a brincar com essas cores monocromáticas. Se eu escolher o rosa, por exemplo, quero brincar com os tons que só complementem o trabalho.

Foto: © Amoako Boafo.
White Nail Polish, 202

Green Handbag, 2021.
Foto: © Amoako Boafo.

Monstera Leaf Sleeves, 2021.
Foto: © Amoako Boaf
LOM: Falamos muito sobre comunidade. Você pode falar sobre o que a comunidade significa para você? E também sobre como sua visão evoluiu, sabendo que você tem sido um grande catalisador no interesse por artistas africanos, pintores da África Ocidental? Como você lida com essa pressão?
AB: É enorme, mas também me sinto grato por fazer parte disso. Eu sinto que algumas pessoas antes de mim prepararam isso, se elas não estivessem lá, eu provavelmente não estaria aqui hoje, mas fico feliz que o sonho de pintar está vivo no continente e eu faço parte dos que fizeram acontecer.
LOM: Agora você está no processo de iniciar sua residência institucional. Pode falar um pouco sobre isso? Toda vez que vou visitá-lo em seu bairro, vejo que outra propriedade foi comprada para ser usada por um artista ou como espaço criativo e, para mim, é simplesmente alucinante vê-lo colocar seus recursos onde estão suas intenções e suas palavras.
AB: Acho que seria bom ter um distrito de arte porque quase todas as cidades do mundo que visito têm – um bairro onde há apenas galerias, museus e tal, e sinto que seria bom ter algo assim em casa. Repetindo, seria mais fácil se o governo fizesse isso, mas… você sabe. Então eu faço o melhor que posso. A residência é uma das muitas coisas que eu quero fazer: criar esse espaço para que os artistas possam experimentar, ter uma ideia de como uma galeria funciona e como suas obras podem ficar quando aparecem nos espaços certos. É também um local com acesso a infinitos recursos de livros de arte, materiais, acesso a críticos que virão ajudar e conversar. Apenas um espaço que vai construí-los e prepará-los para o que quer que esteja lá fora.
DEEP PINK SOFA

Deep Pink Sofa, 2022.
Foto: © Amoako Boafo
Deep Pink Sofa é uma pintura de parede feita exclusivamente para o museu que só pode ser vista na exposição. Durante visita ao espaço expositivo, Boafo concebeu a peça em resposta ao único banco no espaço da galeria oposto à parede. O banco foi um catalisador de como ele queria que o espectador se envolvesse com o trabalho. A peça apresenta uma figura em repouso com um olhar penetrante dirigido ao espectador. O sujeito observa cada movimento seu, convidando você a complementar o ato de “olhar” como uma experiência ativa.
Esse ato é uma oportunidade de não apenas ter uma conexão mais profunda com a obra, mas também com a forma de ver o mundo do artista.
Boafo disse sobre a obra de arte: “Eu queria uma pintura onde [mesmo] quando eu não estiver [na galeria], quando você se sentar e olhar, terá a sensação de que estou [olhando por detrás do trabalho], deixando um pouco de mim [com cada um de vocês].”

Red Collar, 2021 .Foto: © Amoako Boafo
Larry Ossei-Mensah foi curador sênior no Museu de Arte Contemporânea de Detroit (MOCAD) e atualmente atua como curador geral na Brooklyn Academy of Music (BAM).
SOUL OF BLACK FOLKS • MUSEU DE ARTE
CONTEMPORÂNEA DE HOUSTON • EUA • 27/5 A 2/10/2022


