DASARTES 126 /

ALINE MOTTA

ALINE MOTTA TRABALHA COM FOTOGRAFIA, VÍDEO, INSTALAÇÃO, PERFORMANCE E ESCRITA, PRODUZINDO OBRAS QUE RECONFIGURAM MEMÓRIAS, EM UMA ABORDAGEM INTERSECCIONAL A RESPEITO DE QUESTÕES DE GÊNERO, RAÇA E CLASSE. A ARTISTA FALA EXCLUSIVAMENTE À DASARTES SOBRE SUA PRODUÇÃO E SUAS OBRAS EXPOSTAS EM NOVA EXPOSIÇÃO NO MASP

Filha natural, 2018/2019. (Frame). Série de Fotografias. Performance. Vídeo, tempo: 15’52”. Fotos: © Aline Motta.

SE O MAR TIVESSE VARANDAS

Se o mar tivesse varandas, 2017. (Frame) Série de Fotografias. Foto: © Aline Motta.

Se o mar tivesse varandas, 2017. (Frame). Série de Fotografias. Foto: © Aline Motta

Se o mar tivesse varandas foi construído em torno de uma impossibilidade. Criando novos versos para um conhecido mote da quadra popular portuguesa, procurei subverter o sentido original. Assim, o trabalho deseja criar uma ponte de um extremo do Atlântico ao outro, entre o Brasil e o continente africano, à medida que as imagens dos meus familiares surgem por sobre as águas. Como um reflexo do inconsciente e de si mesmo, a água também é entendida como um veículo de histórias que muitas vezes estão ocultas, e precisam ser invocadas para se fazerem presentes. Ao banhar os retratos de meus antepassados em água, busca trazê-los de volta para seus lugares de origem, onde tudo começa e termina, em ciclos contínuos de renovação e transmutação.

PONTES SOBRE ABISMOS

Pontes sobre abismos, 2017. (Frame). Série de Fotografias. Fotos: © Aline Motta.

Este é um projeto sobre a vida.

Se tudo que fazemos na vida é atravessar abismos, este projeto é sobre pontes. Pontes de palavras e imagens, pontes de busca por entendimento. Pontes sobre o Atlântico.

É um projeto que fala sobre a minha família, mas poderia falar também da sua.

A história se desenrola a partir de um segredo. Um segredo de avó para neta. O que deve ser lembrado e o que deve ser esquecido na história de uma vida? Como curamos traumas pessoais, familiares e coletivos?

Instigada pela revelação de um segredo de família, parti em uma jornada à procura de vestígios de seus antepassados. Viajei para áreas rurais no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, Portugal e Serra Leoa, pesquisando em arquivos públicos e privados e, ao mesmo tempo, criando uma contranarrativa do que geralmente se conta sobre a forma como as famílias brasileiras foram formadas. Com base nas minhas experiências pessoais, o trabalho pretende discutir questões como o racismo, as formas usuais de representação, a noção de pertencimento e identidade em uma sociedade que ainda tenta um ajuste de contas com sua história violenta e as noções românticas de sua louvada miscigenação.

(OUTROS) FUNDAMENTOS

(Outros) Fundamentos, 2017-2019. (Frame). Série de Fotografias. Fotos: © Aline Motta.

(Outros) Fundamentos, 2017-2019. (Frame). Série de Fotografias. Fotos: © Aline Motta.

Última parte da trilogia que começou com Pontes sobre abismos, depois com Se o mar tivesse varandas e terminou com (Outros) fundamentos. Com imagens captadas em Lagos/Nigéria, Cachoeira/BA e Rio de Janeiro/RJ, este projeto pretende dar conta das consequências da jornada que empreendi em busca das minhas raízes. Assim, procurei reestabelecer laços com meus ancestrais comuns, por meio das águas e pontes que conectam as três cidades, e imaginando uma possível comunicação por espelhos, que refletiam a mesma luz dos dois lados do Atlântico.

CORPO CELESTE III / CELESTIAL BODY #3

Corpo celeste III / celestial body #3, 2020. Instalação em colaboração com Rafael Galante. Fotos: © Aline Motta

O trabalho é uma animação construída a partir de formas sagradas milenares das escritas gráficas centro-africanas, neste caso, especialmente aquelas do povo bakongo, e também de seus desdobramentos diaspóricos afro-brasileiros expressos nos chamados “pontos riscados”. O trabalho tem como referência principal o símbolo mais sagrado das filosofias espirituais centro-africanas, chamado, no mundo kongo, de dikenga diá kongo, yowa, ou simplesmente “cosmograma kongo”, como é conhecido no Ocidente.

A partir desse referencial simbólico sagrado, Corpo celeste foi planejado para atuar como uma espécie de relógio que indica a “hora espiritual”, de acordo com o lugar de onde é acessado. Assim, as 24 horas do dia representam o ciclo da vida de nascimento (6 h), maturidade (meio-dia), velhice (18 h) e renascimento (meia-noite). Os “ponteiros”, marcadores da passagem do tempo, são clicáveis e oferecem mensagens ao visitante, tal qual um oráculo. Essas mensagens, que se relacionam ao ciclo da vida/hora do dia, são expressões filosóficas em linguagem proverbial bakongo traduzidos do kikongo para o português pelo filósofo, tradutor e músico Tiganá Santana, e provérbios ovimbundu traduzidos do umbundu para o português pelo pesquisador José Francisco Valente. De origem centro-africana, o Cosmograma Bakongo é uma representação simbólica, síntese dos grandes ciclos da vida, do universo e do tempo. Ele é cortado horizontalmente pela Kalunga, uma linha que divide os mundos físico e espiritual, e também alude ao infinito da linha do horizonte no oceano, ponto de conexão entre esses mundos e as diferentes formas do ser/viver. O círculo do Cosmograma Bakongo é simbolicamente dividido em quatro quadrantes por uma cruz, relacionando a passagem do tempo ao ciclo de vida dos seres, de maneira circular, transmutacional e inter-relacional.

FILHA NATURAL

Filha natural, 2018/2019. (Frame). Série de Fotografias. Performance. Vídeo, tempo: 15’52”. Fotos: © Aline Motta.

A partir de uma análise inédita de iconografia histórica e relatos orais de minha própria família, trouxe à tona hipóteses possíveis sobre as origens da minha tataravó. Há indícios de que ela tenha nascido por volta de 1855, em uma fazenda de café em Vassouras, zona rural do Rio de Janeiro, considerado o epicentro do escravismo brasileiro no século 19.

Há alguns anos, tenho feito uma pesquisa profunda sobre as raízes da minha família. Nessa busca, muitas histórias vieram à tona. Esta é uma delas. Minha tataravó Francisca trabalhou como escravizada em uma fazenda de café em Vassouras-RJ. Eu fui até lá procurar por vestígios dela, mas encontrei apenas um possível atestado de óbito de alguém com o mesmo nome e idade aproximada que morreu na “Fazenda de Ubá”.

Na fotografia estereoscópica, a noção de duplo faz com que o passado e o presente se choquem em uma mesma representação. Com essa ideia em vista, pergunto-me: o quanto de ficção existe em uma realidade? A Francisca desses documentos é mesmo minha tataravó? A minha bisavó e a avó de Claudia são muito parecidas fisicamente, então Claudia é minha parente? Quais arquiteturas permanecem de pé e quais desapareceram? Que estruturas de pensamento ainda são vigentes? São essas algumas das questões que trato nesta pesquisa.

Além de uma instalação fotográfica, o trabalho conta com um livro de artista, série de fotografias, vídeo e performance. Principalmente no conjunto de fotografias, Cláudia desestabiliza as narrativas e representações usuais da iconografia brasileira do século 19, tomando para si o próprio visor, em um retorno cíclico e transcendente, mesmo que, ainda no Brasil de hoje, seja um gesto vindo de um futuro ficcional.

SALA DE VÍDEO: ALINE MOTTA • MUSEU DE ARTE DE
SÃO PAULO – MASP • 25/11/2022 A 22/01/2023

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