DASARTES 86 /

Ai Wei Wei

Raiz é primeira e maior mostra do artista e ativista chinês no Brasil. Depois de São Paulo e Belo Horizonte, a exposição chega a Curitiba, no MON, com obras históricas e outras inéditas nascidas de sua imersão pela cultura no país. Reveja entrevista exclusiva de AI WEIWEI para a DasArtes quando participou da Bienal de São Paulo.

Ai Weiwei é o mais politizado artista da China, se não do mundo. Raras são suas obras que não criticam ou questionam o status quo, principalmente de seu país natal. A incapacidade de se calar diante da repressão e do autoritarismo do Estado chinês já o levou à prisão em 2009 por defender o ativista político Tan Zuoren, que pressionava as autoridades a investigar o colapso de escolas após o terremoto de Sichuan. É por meio de suas obras de arte, no entanto, que Weiwei é mais eficaz em tocar a ferida da China, representada por ícones de sua milenar cultura – como vasos Ming e bicicletas – em montagens que denunciam a fragilidade de seu estado atual e chamam à discussão.

Em 2010, Weiwei foi selecionado criar um projeto original de ocupação do Turbine Hall, no Tate Modern em Londres, preenchendo-o com réplicas de sementes de girassol em porcelana chinesa. No mesmo ano, criou outro projeto inédito para a Bienal de São Paulo, Cabeças do Zodíaco, uma das obras mais comentadas do evento.

Já a recente imersão pelo Brasil contou com a consultoria da designer Paula Dib e colocou o artista em contato com comunidades, artesãos, manifestações culturais e recursos regionais até então desconhecidos por ele, resultando em trabalhos inéditos, feitos com madeira, sementes, cerâmica, raízes e couro que fazem parte da mostra Raiz.

Vista da exposição. Foto: Carol Quintanilha

Seu trabalho aborda com frequência questões políticas. Diante das profundas transformações do sistema nas últimas décadas, especialmente em relação aos anos 1970, o que mudou na agenda política da arte?

Em primeiro lugar, estamos vivendo uma época muito diferente, muito globalizada, a era da informação e da internet. Isso redefine a humanidade, porque nunca antes tivemos a chance de ver o mundo assim. A arte é uma forma de definir, de dar forma e aparência a esta condição especial da raça humana. As preocupações das pessoas hoje não têm nada a ver com Van Gogh ou Picasso, há muito mais densidade e flexibilidade em nossa estética e em nossa condição moral. Como se expressar, se comunicar e entender as possibilidades é uma tarefa nova.

E o que não mudou?

O que permanece igual é que a arte vem sempre de um indivíduo. É uma posição individual. O que também permanece igual, não importa que mudanças ocorram, é que o mundo se torna cada vez mais institucionalizado. Não é uma nação, mas diferentes poderes. As pessoas estão mais ambiciosas e a tecnologia tornou esta busca mais eficiente: consegue-se mais lucro fazendo menos.

Law of the Journey, 2016.
Vista da exposicão Raiz na Oca
Ibirapuera, em São Paulo.

Com a globalização, você acredita que os problemas locais, como os que existem na China – censura e violação aos direitos humanos, por exemplo –, tornam-se globais?

Penso que as situações locais ainda são locais, mas sempre com reflexos globais. Hoje, muitos políticos internacionais que vêm à China ou quando são questionados sobre a situação neste país tendem a não usar o termo “direitos humanos”, como se fosse um palavrão. Mas as condições estão até piorando. As pessoas querem cada vez mais liberdade de expressão, o que não é possível na China, mas globalmente se finge não perceber este tipo de problema que afeta uma parte importante da população mundial e que continua tendo efeito na sua qualidade de vida.

Map of China, 2004. Foto: Ai Weiwei.

Sua exposição So Sorry (Haus der Kunst, Munique, 2009) fala disso? Ela parece apontar a tendência dos políticos de simplesmente se desculpar em face de situações prejudiciais à humanidade, como o recente vazamento de óleo no Golfo.

Há muitos casos em que o problema não é solucionado, como na crise bancária, mas as pessoas parecem simplesmente desligar o problema com um interruptor, como se fossem lâmpadas, porque pensam que, se não se consegue resolvê-los, o melhor é não olhar para eles.

Mesmo tendo tido problemas por ter manifestado suas opiniões políticas, você insiste que as pessoas devem externar suas opiniões. Você crê que esta seja uma obrigação dos artistas e intelectuais?

Certamente eles têm obrigação. Artistas e intelectuais recebem tudo, tomam tudo da vida e só produzem arte. Se a arte deles não fala em nome de outras pessoas, das pessoas que produzem sua roupa e sua comida, eles se tornam parte dos criminosos que exploram. Eles dizem que o sistema não produz justiça, mas, se eles não estão dando sua opinião ou criticando, eles são parte do sistema.

Em uma entrevista ao jornal inglês The Guardian, você diz que “a China não oferece nenhum valor real além de mão de obra barata, manufatura e sua própria estabilidade”. Podemos deduzir daí que você não busca inspiração na cultura chinesa?

Não diria isso, porque a situação atual da cultura na China é muito ruim, mas, dadas as circunstâncias, é uma nação que teve altos e baixos dramáticos em suas condições, o que nos faz pensar em que tipo de tempos estamos vivendo agora e nos faz olhar para nós mesmos com outros olhos. Para mim, é muito importante estar aqui na China.

Forever Bicycles, Taipei Fine Arts Museum, 2011. Foto: Ai Weiwei Studio.

A China, assim como muitas outras civilizações antigas, passou por muitos períodos de repressão e más condições políticas e ainda assim teve, ao longo dos séculos, uma produção cultural muito rica. Atualmente, no entanto, o país vive uma situação política ruim e, como você mesmo disse, uma fase culturalmente pobre. Por que você acha que isso ocorre?

Há três ou quatro décadas, nossa nação não consegue oferecer nenhum tipo de ideologia. Esta falta de orientação sacrificou tremendamente nossos valores morais, estéticos, o meio ambiente e a educação. Como consequência, estabeleceu-se um tipo de escravidão moderna, que nos permite sobreviver e dar grandes lucros ao estado e às empresas, mas que não nos permite atingir níveis melhores em nenhum plano. Não existe uma crença na China, uma linha de orientação, e isso vem gerando uma situação cada vez mais caótica, que não acredito que possa ser mantida.

Em sua performance Fairytale para a mostra Documenta de 2007, você levou 1.001 chineses de diferentes origens, idades e condições à Kassel como turistas. Você pode falar sobre este projeto?

É como o jogar de dados: a princípio, você se pergunta o que acontecerá com as pessoas que estão deixando uma sociedade totalmente distinta, com condições bastante específicas em termos políticos e econômicos, para participar de um evento do alto circuito da arte. Supreendentemente, consegui que desse certo. Nunca esperei que a performance fosse notada ou mesmo lembrada e mencionada. Aprendi muito com ela, sobre como usar a mim mesmo para fazer as coisas acontecerem.

Foto: Antonio More.

Nesta performance, o movimento de pessoas é visto como algo bom, libertador. Hoje, este movimento é um assunto em voga, em virtude da migração consequente da globalização e até da contratação de chineses para torcer pela seleção de futebol da Coreia do Sul na última Copa do Mundo. Mesmo nestes contextos, você acha que movimento é sempre algo libertador?

Sim, acho que a frequência de movimento e a frequência de troca ou mudança de ideias são sempre libertadoras. É por isso que nos transformamos em cidadãos e mudamos em relação aos tempos antigos, é como reconhecemos a diferença em relação a eles.

Sua colega no grupo The Stars, Li Shuang, certa vez disse que “a pintura chinesa vem do coração e a pintura ocidental se concentra na paisagem”. Você acha que sua arte vem do coração ou da mente?

Acho que vem dos dois, mas principalmente da mente. Primeiro temos que ter uma compreensão integral de si mesmo e dos outros, e isto não é possível apenas com o coração. Você precisa de uma mente forte para compreender seu entorno.

Foto: Antonio More. Vista da exposição no MON.

Apesar de ter participado do desenho do estádio de futebol mais celebrado dos jogos olímpicos na China, conhecido como Ninho de Pássaro, você se recusa a falar sobre ele e ser fotografado ao seu lado. Por que você não gosta das Olimpíadas?

Eu gostei que as Olimpíadas acontecessem na China, vi isso como uma oportunidade única para meu país buscar padrões internacionais e participar de valores universais. Mas depois percebi que a China não estava disposta a realmente se abrir e adotar a liberdade, que estavam apenas produzindo um show de propaganda política. Ficou claro que as Olimpíadas seriam uma comédia, com todas as grandes empresas transformando isto não em um encontro de culturas e nações, mas em um evento comercial. Claro que eu não quero estar associado a isso. Aqui foi como se o Estado dissesse: “vá para casa, pois vamos dar uma festa aqui”. As pessoas deveriam ficar em casa assistindo à televisão enquanto a polícia tomava conta de tudo, com câmeras por todos os lados. Para mim, este é o primeiro passo para um Estado policial. Isso é horrível, não posso aceitar algo assim.

Alguns de seus trabalhos, como Dropping a Han Dynasty Urn (1995) e World Map (Sidney Biennial 2006), têm muita violência, mas a violência se transforma em beleza. Por quê?

Eu acho que sempre temos que pensar que existe uma possibilidade que não entendemos no universo. A violência é apenas parte dele, mas não é tudo. Mesmo quando vivemos condições de violência, temos que pensar que existe uma razão mais forte, uma razão além disso. Temos que pensar que existe algum tipo de lógica que não entendemos por completo.

Foto: Antonio More.

Raiz: Ai Wewei • Museu Oscar Niemeyer • Curitiba – MON • 3/5 a 27/7/2019

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