Ross King | O julgamento de Paris

De 1863 a 1874, a França viveu um período violento e conturbado, marcado por conflitos como a Guerra Franco-Prussiana e o Cerco de Paris, mas também por outro cujo palco principal eram os salões onde pintores expunham suas novas obras. Em vez de retratar batalhas históricas, figuras heroicas ou manter fidelidade às reviravoltas políticas, um grupo de artistas passou a se dedicar a representações do homem comum, seu costumes, vestimentas e cotidiano, constituindo as bases do que hoje conhecemos por impressionismo. O julgamento de Paris, relato vívido de Ross King sobre a eclosão e a ascensão do movimento, discorre sobre seus principais acontecimentos, conflitos e figuras centrais, através de uma narrativa repleta de tramas, enredos complexos e personagens contraditórios.

O julgamento de Paris, cujo título original faz um trocadilho com o mitológico concurso de beleza entre as deusas Hera, Atena e Afrodite — julgado por Páris —, narra o período entre duas exposições de arte: o escandaloso Salão dos Recusados, de 1863, e a Primeira Exposição Impressionista, em 1874. King oferece um relato fascinante da interação de artistas, júris de arte, críticos e o grande público em torno do anual e prestigiado Salão de Paris e demais acontecimentos do mundo artístico.

As carreiras paralelas de dois pintores radicalmente opostos servem de lente para compreender o tempo em que viviam: enquanto o tradicional e prestigiado Ernest Meissonier prezava pela representação de momentos históricos com precisão meticulosa, o vanguardista Édouard Manet, com apreço ao estilo próprio, voltava-se para paisagens e pessoas comuns, dando início a uma verdadeira revolução na história da arte.

 

SOBRE OLÍMPIA

“Manet nem precisava acrescentar o gato preto para sugerir exatamente o que estava acontecendo na cena. Victorine claramente foi escalada para o papel de uma prostituta recebendo flores de presente de um freguês. Ela, porém, não era uma prostituta como a “mulher indisciplinada” identificada em Le déjeuner sur l’herbe, mas o que era legalmente conhecido como uma fille de maison. Uma prostituta de categoria mais elevada, a fille de maison trabalhava em um bordel, recebia clientes de melhor nível e frequentemente adotava nomes exóticos como Artemísia, Otávia e Olímpia. Manet chegou mesmo a intitular sua tela de Olympe (“Olímpia”), deixando assim poucas dúvidas de como a mulher reclinada ganhava a vida. O nome poderia ser uma referência direta à cortesã Olímpia do romance A dama das camélias, de Alexandre Dumas Filho, lançado em 1848 e transformado em peça de sucesso quatro anos depois. Outra cortesã conhecida como Olímpia tinha aparecido em 1855, em Le marriage d’Olympe, de Émile Augier. Retratar uma cortesã de forma tão clara era uma atitude ousada e provocante de Manet, considerando-se que apenas alguns meses antes Alexandre Cabanel tinha enfrentado o ataque dos críticos que acusaram sua Vênus de se parecer com uma prostituta da rue Bréda. A prostituição podia ser legal nas ruas e nos bordéis de Paris, mas estava longe de ser aceitável nas paredes do Salão”.

 

UM PERTUBADOR LABIRINTO DE TELAS

“Nas vésperas do prazo final de 1863, a Champs-Élysées e as ruas e pontes próximas estavam lotadas de carrinhos de transporte instáveis e carretas balançantes, à medida que os artistas se encaminhavam para o Palais des Champs-Élysées para que suas obras fossem registradas e medidas. Apesar do novo regulamento de Nieuwerkerke, cerca de 5 mil obras de arte — pinturas, esculturas, gravuras e fotografias — foram submetidas ao Comitê de Seleção, que começou a deliberar no dia 2 de abril. O processo de avaliação foi, como sempre, muito árduo. As obras eram dispostas ao redor do Palais des Champs-Élysées em ordem alfabética segundo os sobrenomes dos artistas, criando o que um escritor chamou de um “perturbador labirinto de telas”.

Os jurados eram obrigados a vagar por todo o espaço — e pela sequência de salas superiores nas quais ficavam os excedentes — para ver as obras uma de cada vez, afastados das telas que estavam avaliando por uma corda branca sustentada por dois ajudantes. Os votos contra e a favor de cada obra eram dados levantando as mãos, prevalecendo a maioria simples. O presidente do júri tinha um pequeno sino, que tocava sempre que os jurados voltavam sua atenção para uma nova obra, cujo destino era registrado por um secretário. As telas que recebiam aprovação unânime dos jurados recebiam uma classificação “número um”, o que lhes dava o direito de serem penduradas “na linha” no Salão, ou seja, na altura ideal para a apreciação. Aquelas recusadas pelo júri, por outro lado, eram retiradas (“como cadáveres após uma batalha”, como descreveu um comentarista) por ajudantes vestidos de branco e então

— o mais humilhante — recebiam no verso a marca de um R vermelho, que significava refusé: “Recusado.” Essa marca era o beijo da morte de uma obra não apenas por retirá-la do Salão, mas também por eliminar qualquer possibilidade de ser vendida para um colecionador particular”.

 

O JULGAMENTO DE PARIS: A REVOLUÇÃO ARTÍSTICA QUE DEU ORIGEM AO IMPRESSIONISMO

(The judgment of Paris: the revolutionary decade that gave the world the impressionismo)

Ross King

Tradução de Alexandre Martins Moraes

518 págs. | R$ 99,90

Ed. Record | Grupo Editorial Record

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