Manet no Rio | Editora Ercolano

A Editora Ercolano lança em setembro Manet no Rio (Lettres de jeunesse 1848-1849: Voyage à Rio). Trata-se de uma compilação de cartas escritas pelo jovem Édouard Manet (1832-1883) durante sua viagem ao Rio de Janeiro em 1849, alguns anos antes de se tornar o artista que revolucionaria para sempre a pintura ocidental. O livro retrata um Manet diferente, desconhecido da maioria das pessoas: um jovem que sonhava com a carreira na Marinha francesa. O artista que viria a se tornar um dos ícones da modernidade, quando jovem, desenhava apenas nas horas vagas. Entre uma escala e outra, enviava para a família relatos sobre a viagem a bordo do navio Havre et Guadeloupe, bem como suas impressões sobre a cidade, seus habitantes, o regime escravocrata e os costumes carnavalescos.

Escritos com o ímpeto das marés, no balanço do navio, os dez lotes de cartas revelam a ânsia do jovem Manet por se estabelecer na carreira de marinheiro, algo que não se concretizou, pois, para o bem da pintura moderna, o aspirante foi reprovado duas vezes no exame de admissão da Marinha. Em terras fluminenses, Manet se depara com um mundo completamente novo, hesitando entre o encanto e o desprezo. Exceto pela menção ao “espetáculo da natureza mais bela do mundo”, o jovem não se entusiasma. A elite brasileira e sua mesquinhez são ridicularizadas por ele, bem como certo aspecto “amador” das artes e da arquitetura. Diferentemente das cartas de Saint-Hilaire, botânico que explorou o Brasil no começo do século XIX, ou dos supostos relatos de Hans Staden no século XVI, os problemas retratados pelo então jovem marujo se mostram presentes até hoje. Manet, profundamente chocado com a escravidão, não descreve a seus pais um Brasil hospitaleiro nem cordial, mas uma sociedade luso-brasileira escravocrata, tacanha e grosseira.

O prefácio à nova tradução de Régis Mikail é assinado por Alecsandra Matias. Em seu texto “O preto não é uma cor”, a autora aborda de maneira original e inédita a noção da ausência de cor segundo Manet e o espanto do pintor com a escravidão, ambos elementos-chave para discussões atuais, notadamente no que diz respeito à questão pós-colonial. O livro se encerra com um posfácio de Felipe Martinez, que situa a obra de Manet na história da arte, falando sobre quadros relevantes do artista que causaram polêmica, tanto pelo tema quanto por sua maneira de pintar. A edição conta ainda com reproduções dos principais quadros de Manet e de oito croquis originais do aspirante a artista, produzidos durante a viagem ao Rio.

A leitura de Manet no Rio, além de permitir estabelecer paralelos entre as situações políticas conturbadas na França e no Rio de Janeiro daquela época, parece conversar com nossa contemporaneidade. O livro é um convite à reflexão no que tange ao olhar do estrangeiro sobre nosso país e à herança deixada pelo Brasil Colônia. Temas como o racismo estrutural, a desordem nos espaços públicos e a soberba da elite já estavam presentes nas cartas de Manet. Se considerarmos o Brasil do extrativismo agrário e a estrutura arcaica de alguns mecanismos estatais, o anacronismo permanece nos dias de hoje.

A correspondência do jovem Manet prenuncia a originalidade do artista que ele se tornou, cuja arte, de tão rica e particular, não se encaixa em nenhuma escola específica. Ela perpassa e prenuncia movimentos artísticos vindouros, que despertariam o interesse de artistas como Huysmans e Zola na literatura, e de Lucien Freud e Hopper na pintura, para citar apenas alguns nomes. A expressão artística ainda se firma, ao menos por enquanto, como uma das poucas manifestações do comportamento humano que resistem à inteligência artificial.

NÚMERO DE PÁGINAS: 96
PREÇO: R$ 98,00
DATA DE LIVRARIA: 26/09/2023
EDITORA: ERCOLANO

Compartilhar:
Livros

A Casa da Lagoa - arquitetura e história do cenário de vida de Eva Klabin, de Ruth Levy

Uma casa com muitas histórias

Museóloga Ruth Levy lança seu terceiro livro,

“A Casa da Lagoa –  arquitetura e história do …

Livros

Bea Machado Arts – pinturas e esculturas | Livraria Argumento

Reunindo os 40 anos de trajetória da artista Bea Machado, será lançado no dia 17 de dezembro de 2024, às …

Livros

Ross King | O julgamento de Paris

De 1863 a 1874, a França viveu um período violento e conturbado, marcado por conflitos como a Guerra Franco-Prussiana e …

Livros

Hermelindo Fiaminghi | Edições Sesc

As Edições Sesc lançam o livro Fiaminghi: Corluz, escrito por M. A. Amaral Rezende no dia 11 de maio, quinta-feira, às 19h30, na livraria Megafauna, em São …

Livros

Janelas Abertas | Eleonora Fabião e Adriana Schneider

Janelas Abertas é um mosaico polifônico e atemporal de ideias sobre cultura, sociedade e o impacto das mudanças no planeta …

Livros

A virada decolonial na arte brasileira | Alessandra Simões Paiva

Logo na abertura de “A virada decolonial na arte brasileira”, a pesquisadora e professora Alessandra Simões garante haver uma revolução …

Livros

“Profissões do Futuro, o Almanaque”

Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura apresentam
Profissões do Futuro – O Almanaque

Livro infantojuvenil conscientiza sobre …

Livros

A promessa cultural do estético | Monique Roelofs

RESENHA DO LIVRO POR Alessandra Affortunati Martins E Carla Milani Damião
Acaba de ser traduzido para o português (do Brasil) o …

Livros

Histórias do Brasil - 100 objetos do Museu Histórico Nacional_Museu Histórico Nacional

Livro “Histórias do Brasil – 100 objetos do Museu Histórico Nacional” será lançamento na sexta (16) no Rio de Janeiro

Com …

Livros

No mundo sem chão: escritos sobre arte | Paulo Sergio Duarte

No mundo sem chão: escritos sobre arte (ed. Cobogó) reúne textos do crítico de arte, curador e pesquisador Paulo Sergio …

Livros

Belezas Brasileiras | André Dib

Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Pampa, os seis biomas brasileiros, foram retratados no livro Belezas Brasileiras, que está …

Livros

Do Chão para o Chão | Helena Lopes

Em seu livro Do Chão para o Chão, a artista plástica Helena Lopes transforma em arte imagens do chão de …