Dalton Paula: O sequestrador de almas (Editora Cobogó) reúne obras deste artista acompanhadas de texto da antropóloga Lilia Moritz Schwarcz sobre sua produção e processos de trabalho. A partir da leitura e do diálogo com a história da diáspora africana na formação do país, o livro apresenta as extensas pesquisas – viagens, conversas, fotografias, colagens, diários – para a elaboração das pinturas, desenhos, instalações, performances, vídeos e fotografias de Dalton Paula, que têm a memória, as biografias do passado e os saberes ancestrais como elementos centrais.
O universo subjetivo, afetivo e criativo de Dalton Paula faz de sua arte um diálogo com a história das pessoas negras no Brasil. Seus retratos colocam em protagonismo personagens negras, em sua maioria invisibilizadas pelas narrativas coloniais. O conjunto de quadros evidencia como a população negra nunca foi passiva diante das violências a que foi submetida no país: muitos dos retratados são figuras históricas da resistência contra a escravização dos negros e da luta pela liberdade.
Quando recria a imagem de nomes como Machado de Assis e Lima Barreto, Dalton Paula inverte a lógica de retratos coloniais, que costumam “embranquecer” pensadores negros e negras do cânone nacional brasileiro. São destacados, propositadamente, estereótipos visuais e sociais que marcaram as populações afrodescendentes no Brasil e no exterior. Ao transformar essas características físicas em motivos de orgulho, sua pintura imprime aos retratos, dignos e imponentes, uma marca autoral e de respeito.
Em algumas obras, no entanto, as pessoas negras não aparecem representadas em retratos, mas a partir de uma grande ausência expressa pelo silêncio e pelo vazio. “Se o corpo negro carrega consigo os traumas da sua experiência, a narrativa visual desse artista é curativa ao retomar a violência do passado na lógica da contemporaneidade, ou mesmo o peso da escravidão e da linguagem da desigualdade, com uma arte que celebra e louva as subjetividades negras. Mas a arte de Dalton faz mais, liberta essa que é uma ‘sobredeterminação branca’; a negação da representação negra, com a construção da experiência e do espaço imaginativo dessas populações na qual se inclui. Por isso, sua obra é respeitosa e afetiva. Com ‘gratidão’, como Dalton Paula gosta sempre de dizer”, relata Lilia Schwarcz sobre Dalton Paula.
O resultado “é uma pinacoteca de fantasmas da intimidade, que jamais estiveram tão vivos. Um mergulho no tempo dos antepassados, das suas andanças e sabedorias, que restaram como incômoda ‘ausência presente’ nos objetos que ganham vida no espaço infindo que é o território das relações e da própria memória”, descreve a autora.
A escritora americana Saidiya Hartman observa, no ensaio Venus in Two Acts, que narrar é uma maneira de fazer reviver os mortos e uma forma de fabulação crítica. Dalton Paula, por meio de sua arte, usa da fabulação para conferir existência, consagrar experiências e mostrar como continuam vivos esses parentes distantes no tempo, criando redes estendidas simbólicas e reais.
Autores: Dalton Paula e Lilia Moritz Schwarcz
Número de páginas: 248 pp
Preço: R$ 150,00