Como anunciado aqui na DASartes em meados do mês de março, a SP-Arte, umas das maiores feiras internacionais de arte da América Latina, suspendeu sua edição de 2020 devido as complicações da pandemia do Covid-19.
Ontem, 30 de abril, a jornalista Clara Balbi, da Folha de São Paulo, publicou nota informando que os diretores da feira estão sendo acusados de recusar negociações e anunciaram que ficariam com parte dos valores pagos pelo expositores. Metade das galerias, cerca de 80 estão exigindo a devolução do pagamento pelos estandes na feira cancelada.
Veja trecho da matéria da Folha por Clara Balbi:
Em comunicado enviado no início do mês, a SP-Arte tinha informado que só devolveria aos expositores um terço da quantia que eles deviam –os outros dois terços seriam usados para pagar pela montagem do evento, em curso quando ele foi cancelado, e para adiantar o aluguel de um estande no ano que vem, respectivamente.
Uma participação na feira começa nos R$ 50 mil e pode ultrapassar os R$ 100 mil. Na avaliação dos galeristas, dois terços de quantias dessa grandeza podem significar a sobrevivência ou não de muitas casas durante a pandemia, em especial daquelas menores.
As negociações com a SP-Arte são conduzidas por duas entidades de classe, a Abact, Associação Brasileira de Arte Contemporânea, e a Agab, Associação de Galerias de Arte do Brasil. Presidente da primeira, Luciana Brito conta que as conversas começaram há exatas três semanas, assim que a notificação da SP-Arte chegou.
Então, elas tinham oferecido que apenas as casas mais robustas tivessem uma parte do investimento retido. Enquanto espaços menores, considerados mais vulneráveis à crise do coronavírus, seriam eximidos de qualquer pagamento, os de arte contemporânea e do mercado secundário, que lida com trabalhos vindos de
coleções anteriores, pagariam 5% e 10%, nesta ordem.
Diante da recusa da SP-Arte de avançar nas negociações, no entanto, a proposta caiu. Agora, segundo Brito, a conversa foi assumida por advogados.
Veja o que diz a diretora da feira, Fernanda Feitosa:
Diretor da Agab, Ulisses Cohn afirma que o imbróglio gira em torno de uma questão conceitual. Enquanto a feira enxerga as galerias como sócios que, portanto, teriam que tomar parte no prejuízo, elas, por sua vez, alegam que são clientes de uma empresa independente.
Outros galeristas criticam ainda a forma como a SP-Arte tem conduzido a situação. Além da falta de transparência em relação a valores —alguns expositores afirmam desconhecer, por exemplo, o tamanho do prejuízo ocasionado pelo cancelamento—, sua diretora, Fernanda Feitosa, é vista como intransigente, irredutível.
Em nota, Feitosa afirmou que os números que concernem ao cancelamento foram expostos às entidades Abact e Agab. Também disse que a qualificação de sua conduta como inflexível “nãoprocede”, e lista as quatro reuniões realizadas entre as partes, além de contatos nesta semana como prova disso. “O tema é complexo e
requer múltiplas interações tanto nossas como de nossos assessores.”
Enquanto isso, um galerista que preferiu não se identificar afirmou que a diretora da SP-Arte está negociando individualmente com espaços menores e oferecendo devolver parte do dinheiro deles de volta. A estratégia é vista por ele como desleal com o restante da classe, que negocia como um bloco.
Sobre a acusação, Feitosa respondeu que, em respeito ao pedido de certos galeristas e das associações, os diálogos estão se dando com os interlocutores das entidades. Mas, continua, “não irei me omitir de conversar com clientes e amigos quando procurada, como é muito comum”, embora ressalte que nenhuma dessas conversas constitui um processo de negociação.
“Desde que criamos a SP-Arte, sempre balizamos nossas condutas e ações dentro da absoluta legalidade, e não seria nesse momento extremo de crise, que afeta a todos, que nos afastaríamos desses valores”, afirma a diretora em nota.
“Reforço que tendo em vista nosso comprometimento com nossos clientes e com o setor, estamos dispostos e engajados para discutir formas de composição para mitigar os prejuízos de todas as partes, continuamos nessa incessante busca de uma alternativa que vise conciliar os interesses de todos, principalmente os mais vulneráveis, que sofrem com esse momento tão duro e que atinge a sociedade como um todo.”
Alguns galeristas e expositores deram entrevistas à Folha e demonstraram sua insatisfação:
“É uma coisa arbitrária o que ela está fazendo. Todas as feiras do mundo assumiram as perdas e devolveram o dinheiro”, diz Luisa Strina, uma das mais poderosas do mercado de arte nacional. Ela menciona a Art Basel que, em nota enviado no início da semana, garantiu que devolveria o dinheiro dos expositores integralmente
caso nenhuma de suas feiras deste ano venha a acontecer.
“O que a feira está deixando de perceber é que, ao não retornar esse dinheiro, ela põe em risco não apenas a sobrevivência desta ou daquela galeria, mas de toda uma cadeia alimentar que vai de vendedores a artistas”, afirma Thiago Gomide, da Bergamin & Gomide. “Por mais que a feira esteja numa situação difícil, ela
precisa pensar no setor como um todo. Porque pode ser que no ano que vem não haja mais cem galerias, mas só 60.”
“Infelizmente, parece não haver a compreensão de que uma feira só existe em função das galerias”, diz Karla Osorio, da galeria de mesmo nome, em Brasília. “Nesses 15 anos de existência, a SP-Arte conseguiu uma coisa impensável, que foi a união do setor. A pena é que seja contra ela. Nossa esperança é de que isso seja percebido a tempo de ser resolvido em benefício de todo o setor.”
É a esperança também daqueles à frente das negociações, os presidentes da Abact e da Agab, que afirmam querer que ela continue como um dos pilares do cenário artístico do país. Luciana Brito diz inclusive que anseia por uma resolução do conflito já na semana que vem.