POR LIEGE GONZALEZ JUNG
Vivemos um momento complexo, com muitos mercados em queda e vários indícios de recessão mundo afora. O mercado de arte não é diferente. Os corredores das feiras de arte seguem sendo locais animados e conviviais, mas as vendas são menores e em faixas de preço inferiores às dos últimos anos, como qualquer galerista de qualquer país pode atestar.
Ainda assim, os profissionais da arte ficaram surpresos com a matéria do The Wall Street Journal que revelou o estado de fragilidade financeira da gigante internacional dos leilões de arte Sotheby’s. Fundada em 1744, a casa de leilão compete com Christie’s pelo posto de maior do mundo, com espaços de exposição nos endereços mais prestigiosos de Nova York, Londres e, mais recentemente, Hong Kong, e outros 80 escritórios espalhados por 40 países.
Tanta punjança oculta uma situação menos que ideal: segundo o Wall Street Journal, Sotheby’s vem negociando atrasos de até seis meses para pagamento a transportadoras e outros fornecedores e já acumula dívidas de US$1,8 bilhão, com prejuízo de US$ 115 milhões no primeiro semestre de 2024.
A matéria cita o fechamento de um grande número de pequenas galerias de arte e queda nas vendas no mercado em geral. O motivo, de acordo com a matéria, seriam o aumento das taxas de juros, que tornam outros investimentos mais interessantes que obras de arte, e um desânimo entre colecionadores de arte contemporânea, que vem pagando altos valores por obras de artistas que não trouxeram a valorização esperada, e podem nunca trazer.
No Brasil, o mercado vem experimentando os mesmos efeitos da desaceleração, mas ainda que qualquer colecionador goste de ver sua coleção aumentar de valor, a compra de arte como ativo financeiro não é tão comum como em outros países: por aqui, são poucos os fundos e bancos de investimento com regularidade de aquisição. A matéria deixa de citar um outro fator que certamente tem impactado as vendas em arte: a desaceleração nas compras por museus. Em geral, o financiamento de instituições culturais depende fortemente de doações, muitas vezes limitadas por benecíficios fiscais, que por sua vez são proporcionais aos lucros de empresas e pessoas físicas. Portanto, é natural que incertezas afetem o caixa de museus e, consequentemente, suas aquisições. A falta de curadores comprando em feiras de arte tem sido comentada por galeristas do mundo todo.
A situação da Sotheby’s é preocupante, mas ela não está sozinha: Christie’s também reportou queda em vendas de quase 25% só no primeiro semestre. E também não parece ser o fim da linha: Sotheby’s foi comprada em 2018 por Patrick Drahi, famoso pelo estilo agressivo de endividamento, com altos níveis de alavancagem em todas as áreas de negócio em que atua. De acordo com a matéria do Wall Street Journal, o bilionário já vendeu parte da empresa para um fundo de Abu Dahbi, que irá aportar US$1 bilhão ao caixa da casa de leilões.
Todos os negociantes em arte torcem por sua recuperação, já que sua solidez histórica é um fator de tranquilidade para quem atua em um mercado onde os preços são subjetivos e a valorização é medida em boa parte pelos valores de vendas em leilão, as únicas cifras que são de domínio público.