Na maioria dos casos de violência sexual, sempre se pergunta à vítima: ‘Bom, o que você fez para provocá-lo?’ Questões de roupas ‘provocativas’, consumo de álcool e promiscuidade anterior consistentemente encobrem crimes que deveriam levar o perpetrador a julgamento, não a vítima.
Essa narrativa de culpar a vítima não é nova – pode ser vista em histórias com mais de 2.700 anos. A saber: o mito grego da Medusa. Uma donzela no templo de Atenas, Medusa foi perseguida e estuprada por um ‘deus’ chamado Poseidon. Furiosa, Atena puniu Medusa amaldiçoando-a com uma cabeça de cobras e um olhar que transformava os homens em pedra. Culpada por seu próprio estupro, Medusa acaba sendo decapitada pelo “maior herói grego” Perseu, que exibe sua cabeça como um troféu em seu escudo.
É uma história absurda, que reforça a ideia de que as mulheres são culpadas quando são abusadas sexualmente por homens – uma crença ainda mantida por uma proporção assustadora da sociedade hoje. No entanto, uma escultura de 10 anos do artista Luciano Garbati vira essa narrativa de ponta-cabeça, retratando a Medusa com a cabeça decepada de seu assassino, Perseu.
Na terça-feira (13 de outubro), esta escultura – apropriadamente intitulada “Medusa com a cabeça de Perseu” – foi instalada em Nova York como um símbolo de justiça para sobreviventes de abuso. Em exibição até 30 de abril de 2021, a estátua está localizada do lado de fora do tribunal onde Harvey Weinstein foi a julgamento por sua série de crimes sexuais contra mulheres.
A escultura de 2008 encontrou fama viral em 2018, após o ressurgimento do movimento #MeToo, e rapidamente se tornou um símbolo de resistência. Na inauguração da estátua na terça-feira, Garbati falou sobre as milhares de mulheres que escreveram para ele sobre a escultura, explicando que muitos a consideraram catártica.
A instalação da estátua não passou despercebida de seus críticos. No entanto, muitos questionaram por que uma obra de arte destinada a homenagear o movimento #MeToo – em grande parte liderada por mulheres – foi criada por um homem. O ativista e escritor Wagatwe Wanjuki comentou no Twitter: “#MeToo foi iniciado por uma mulher negra, mas uma escultura de uma personagem europeia feita por um cara é o comentário que fica centralizado?”
De acordo com o The New York Times, outros se perguntam por que – se a estátua é sobre justiça para sobreviventes de agressão sexual – Medusa carregou a cabeça de seu assassino, Perseus, e não de seu estuprador, Poseidon. A resposta para isso está na inspiração de Garbati para a obra, que veio de uma figura de bronze do século 16 de Benvenuto Cellini, chamada “Perseu com a cabeça da Medusa”.
Também foram levantadas questões sobre por que Medusa está nua e retratada como tendo uma figura de modelo. De acordo com Garbati, a razão para isso está no fato de que as representações artísticas da Medusa começaram a se transformar de bestiais em belas no século 5 aC.
“Um homem decidiu que a melhor maneira de representar as vítimas de estupro é uma escultura com um corpo escultural e uma boceta sem pelos”, disse o escritor Kivan Bay.
Falando sobre seus críticos, Garbati disse ao NYT que a estátua tinha adquirido vida própria, fora de sua criação. “Eu diria que estou honrado pelo fato de que a escultura foi escolhida como um símbolo”, disse ele, acrescentando que todo o projeto o ajudou a perceber que ele próprio era um “produto de uma sociedade patriarcal”.
Medusa With The Head of Perseus estará à vista na Center Street, Lower Manhattan, até 30 de abril de 2021, como parte do programa Art in the Parks de NYC.
Fonte e tradução: Dazed Digital.