Em seu estúdio São Paulo, a artista Sonia Gomes move-se de uma escultura para outra, embrulhando pano e dobrando arame para fazer formas abstratas imbuídas de memória. Em vez de trabalhar em uma peça de cada vez, ela as avalia como um grupo. Suas obras se tornam montagens vivas de têxteis, madeira, pedra, encontram objetos que pendem do teto, reclinam-se no chão e se espalham pelas paredes como um ecossistema de organismos coloridos e texturizados. A série de estruturas de pêndulos de Gomes, “Acordes Naturais” (2018), lembra as formas de animais pendurados em videiras ou árvores esbeltas. Uma obra sem título do mesmo ano apresenta um arco colorido de arame de tecido sobre madeira escultórica.
Agora com 72 anos, a escultora afro-brasileira enche seu espaço de estúdio com tecidos de segunda mão que pairam em telas de arame montados: toalhas de mesa, lenços, pedaços de vestuário e até mesmo um vestido de noiva, todos doados à artista por pessoas que foram movidas por seu trabalho. “Eles chegam e então eu os escuto”, disse ela, por e-mail, sobre os presentes. “Há um processo de observação e sensação do que cada item está oferecendo como elemento de composição. Esse processo de escuta do material me diz para onde ele quer ir e o que quer ser. Para mim, é um processo íntimo com a questão das coisas; Eu sinto o volume, textura, peso, cor.”
Em um perfil publicado pelo New York Times no verão passado, Gomes, fotografada em jeans gaúchos desgastados e com cabelo azul violeta, puxou dois lenços escondidos em uma caixa de papelão. Junto uma nota escrita à mão do remetente: “O pensamento de que uma pequena parte de mim poderia se tornar parte do seu trabalho realmente me inspira e me faz sorrir.” Gomes valoriza esses têxteis — cada um deles tem sua própria história, às vezes abrangendo gerações. Ela explicou que o que as pessoas estão realmente oferecendo a ela são suas histórias. “Sinto que quando as pessoas me dão esses itens, elas estão me concedendo uma grande responsabilidade, uma espécie de apelo pedindo-me para não deixá-los morrer”, disse ela. “É a vida em transformação.” Histórias convergem pelas mãos da artista enquanto ela costura fragmentos de tecidos juntos. Em Memória (2004), por exemplo, uma infinidade de têxteis se unem e se estendem como a envergadura de um pássaro.
O verão passado foi um marco na carreira da artista, já que as galerias Pace e Blum & Poe anunciaram a representação de seu trabalho, em colaboração com sua galeria brasileira, Mendes Wood DM. No outono, ela participou de mostra junto à pintora Marina Perez Simão no espaço temporário de Pace em East Hampton. No próximo ano, ela terá sua primeira individual com Blum & Poe em Los Angeles, seguido da primeira individual com a Pace em Manhattan em 2022.
Esta representação tardia das principais galerias segue uma década de crescente burburinho em torno de sua prática. Gomes, que trabalhou como advogada até os 40 anos, participou de sua primeira mostra de grupo institucional em 2013, quando foi incluída em “A Nova Mão Afro-Brasileira”, no Museu Afro Brasil, em São Paulo. Em 2015, foi a única artista brasileira a ser destaque na exposição central da Bienal de Veneza. Dois anos depois, expôs no Museu Nacional das Mulheres nas Artes em Washington, D.C., bem como na Turner Contemporary em Margate, Inglaterra. Sua primeira grande mostra individual em um museu, em 2018, também foi marcante para o MASP – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand: Gomes foi a primeira artista afro-brasileira viva a receber uma pesquisa de seu trabalho na instituição.
A herança da escultura passa por suas obras — a influência da dança brasileira pode ser vista na energia de suas formas, bem como na alusão a objetos sagrados e espirituais usados em rituais africanos brasileiros realizados por sua avó, que era xamã, segundo Pace.
Gomes cresceu na antiga cidade têxtil de Caetanópolis, e sua prática com tecidos de segunda mão surgiu em roupas que ela misturou e joias que fez quando estava chegando à maioridade. Respirar vida nova em itens usados sempre foi central para seus esforços criativos e fala tanto de sua formação quanto de questões de sustentabilidade de forma mais ampla. “O povo brasileiro está muito acostumado a trabalhar com o que já tem”, disse ela. “Eu trabalho com o que tenho e com coisas que chegam até mim. Sinto que há uma herança ancestral por trás do que faço e que meu trabalho toca em elementos de nossa herança africana como brasileiros.”
Quando se afastou de sua carreira no direito e no mundo da arte, ela frequentou a Universidade de Arte guignard de Minas Gerais. No início, antes de começar a receber materiais de todo o mundo, ela frequentava brechós à procura de roupas, objetos e têxteis bordados à mão, particularmente aqueles que falavam com tradições artesanais locais.
“Para mim, as coisas artesanais são muito preciosas, mas vejo que o artesanato está fadado a desaparecer por causa do contexto cada vez mais digital em que vivemos”, disse ela. “Nada pode substituir a fabricação artesanal — ela tem alma.” Por muito tempo, Gomes se considerou uma artista de artesanato — um gênero que mais recentemente ganhou respeito na arte contemporânea, mas há muito luta para lançar sua imagem como uma prática menor e “feminina”. No Brasil, essa imagem também tem conotações raciais. “A visão geral no Brasil é que afrodescendentes fazem artesanato, mesmo que o que ele ou ela faz seja arte”, disse Gomes em entrevista recente.
Mas todos os atributos da arte de Gomes que historicamente foram desprezados são as mesmas coisas que revigoraram suas esculturas com uma vitalidade ousada e atraíram um público crescente para seu trabalho.
“Meu trabalho é negro, é feminino e marginal”, disse Gomes à curadora Solange Farkas para uma monografia de 2018. “Eu sou uma rebelde. Nunca me preocupei em mascarar ou sufocar qualquer coisa que possa ou não se encaixar nos padrões do que é chamado de arte.”
FONTE: Artsy Editorial