Em menos de duas semanas, artistas negros e indígenas pintaram empenas gigantes na capital de Minas Gerais levando resistência e afeto através da arte
Entre os dias 22 de setembro e 04 de outubro, quatro artistas se dedicaram à pintura de empenas no hipercentro da cidade de Belo Horizonte. Perto do céu, em guindastes, os artistas enfrentaram o calor dos últimos dias para levar mais vida aos prédios de até 2 mil metros quadrados.
Com seleção de artistas de diversas regiões brasileiras e realidades étnico-sociais, esse ano, o CURA – Circuito de Arte Urbana, faz história ao revelar o primeiro nome indígena a estampar uma empena gigante no mundo. Daiara Hori, nome tradicional Duhigô, pertence ao clã Uremiri Hãusiro Parameri do povo Yepá Mahsã, mais conhecido como Tukano. Em prédio de 1.000 metros quadrados no Edifício Levy (Centro de Belo Horizonte) a artista ilustra a cultura e espiritualidade de seu povo. Colorida e vibrante, em um momento tão delicado para o Pantanal Brasileiro, a obra traz a Selva Mãe segurando o Menino Rio para lembrar a importância da preservação da natureza e a relação de dependência entre a água e as florestas. Nas palavras de Daiara, “os rios são os avôs, todo avô já foi menino e todo rio tem mãe. E essa mãe é a mãe natureza”. Com essa intervenção, Daiara coroa uma carreira que articula as linguagens artísticas com a comunicação em prol dos direitos indígenas, incluindo exposições em diversas partes do país e o trabalho como co-ordenadora da Rádio Yandê, primeira web-rádio indígena do Brasil.
ambém trazendo esse olhar maternal, agora na figura da mãe humana, o artista Robinho Santana de Diadema (SP) leva para um mural de quase 2 mil metros quadrados no Edifício Itamaraty, a imagem de uma mãe negra e seus dois filhos, trazendo um pouco da força e do afeto da figura da mãe. A obra também traz uma frase de “A Música da Mãe”, do rapper Djonga, um grande nome da cena contemporânea de Belo Horizonte. “Espero poder deixar algo positivo para a cidade. São 25 andares da minha verdade sobre a parede, eu nunca trabalhei tanto. Poucas vezes me vi tão realizado”, conta o artista em sua rede social.

Obra do artista Robinho Santana
Representando Belo Horizonte, a artista Lidia Viber também está entre os nomes que assinam as novas empenas, levando seus traços, cores e experiência de quase 20 anos de trajetória na arte. Em um mural de mais de 650 metros quatros no Edifício Cartacho, a artista natural de BH mistura as vertentes da arte de rua e do surrealismo para criar uma obra lúdica e questionadora, que dialoga com sua trajetória de mulher em um espaço ainda dominado por homens. “O desafio foi o contato com um novo tamanho e suporte, que vai além da nossa zona de conforto. Foi desafiador, mas o sentimento maior é uma alegria e uma euforia de deixar um trabalho tão lindo para a minha cidade”, divide Lidia.

Obra da artista Lidia Viber
Com trabalho que aborda símbolos tradicionais da cultura negra, o artista Diego Mouro, de São Bernardo (SP), levou ao Cura o seu novo tema de estudo: os afetos pretos do cotidiano. No mural com 428,9m² metros quadrados no Edifício Almeida, que traz a imagem de homem negro trançando o cabelo de outro, Diego relembra a importância do cuidado para a população negra e resgata a poesia que existe no ordinário. “A arte da empena traz o afeto entre homens pretos de forma não sexualizada”, diz Diego.

Obra do artista Diego Mouro
Todas as obras são visíveis da Rua Sapucaí, bairro Floresta, consolidando o Mirante CURA na rua Sapucaí com 14 murais gigantes. Por conta da pandemia, o restante da programação acontece exclusivamente online.