Pela primeira vez a artista Verena Smit, cuja escrita é seu principal meio, mostra um conjunto, uma ‘retrospectiva’, de suas luzes neon para um passeio inusitado pelos jardins do Rosewood Hotel
POR MARC POTTIER
É através do choque visual que nos aproximamos das suas palavras, dos seus ditos, dos seus provérbios, dos seus aforismos, das suas imagens feitas para os transeuntes nas cidades e para os passeantes dos parques, perante o museu onde também expõe.
O retrato de Verena Smit que aparece em seu site é uma fotografia que a mostra com a cabeça escondida atrás de um buquê de flores. Isso faz todo o sentido para uma artista que luta para se definir quando faz essa pergunta. ‘No princípio era o Verbo…’ (Evangelho de São João, capítulo primeiro, de 1 a 18), A palavra, a palavra, a escrita, é isso que conta para ela, sem dúvida para nos falar da eternidade à sua maneira? Depois de muito esforço, ela finalmente se apresenta e diz: “Acho que (sou) como uma terapeuta, que ajuda a encontrar caminhos para as emoções e sentimentos e que traz para o outro uma percepção e reflexão daquilo que vivemos.”
A ideia vira uma máquina que faz arte. Neste sentido os ‘jogos de palavras’ de Verena pertencem à Arte Conceitual. Resumindo rapidamente, este movimento informal baseou-se na afirmação da primazia da ideia sobre a implementação. Nas luzes de néon apresentadas nos jardins de Rosewood, não são os tubos de vidro que contam mas sim as mensagens que Verena nos envia.
A artista brinca com as palavras com mais delicadeza do que suas irmãs americanas Jenny Holzer e Barbara Kruger, que são mais adeptas às denúncias políticas e da violência da vida e do mundo. Verena está ao lado de artistas sutis como Mira Schendel e suas famosas monotipias e Objetos Gráficos. Não lança slogan, mas fala-nos de experiências pessoais, de representação da vida quotidiana, de amor, de um simples jogo intelectual de palavras sujeito a interpretações contrárias que força um sorriso. Hoje com a maternidade as mensagens evoluíram, assim como a sua relação com os hábitos de internet. Suas mensagens querem ter significado. Como ela expressou em sua apresentação, elas também devem ser terapêuticas.
Sussurar do invisivel é uma expressão emprestada de Mira Schendel que busca mostrar como Verena pode flertar sutilmente com a psicanálise. Suas palavras ou frases reformuladas misturam significados mostrando que em tudo há tudo e seu oposto. Permite ao público inventar a sua própria interpretação entre real, simbólico e imaginário “O escrito sempre fez parte da minha vida desde a adolescência, algo natural como forma de expressão, mas nunca achei que seria um caminho profissional.
Na faculdade escrevi roteiros e durante minha prática fotográfica usava texto para complementar imagens. Sempre fui uma grande admiradora da poesia concreta e acredito que tenha sido algo que tenha ficado na minha cabeça porque quando comecei a usar a palavra como imagem, vem bastante dessa relação e referência do concreto. Mas não me considero uma porta ou escritora. Sou uma artista que uso a palavra e o texto como pesquisa e desdobramento para transformá-los em outras coisas”, ela confidencia.
Ela risca algumas palavras, às vezes colocando-as entre parênteses, dando-lhes outro significado. O risco não apaga a palavra inicial que pode ou não ser completada pela sua grafia que fornece suporte para dar sentido à ressignificação.
Verena também tem muitas das características dos artistas dadaístas: ela ironiza e ridiculariza as manifestações artísticas atuais. Abandonou as técnicas artísticas tradicionais e incorpora em seu trabalho o uso de materiais industrializados de uso diário, aleatórios ou absurdos como pentes, bandeiras, rolos de papel higiênico, sapatos e neons como é o caso desta exposição nos jardins de Rosewood… Seguindo Marcel Duchamp, ela reinterpretou o conceito do ready made, qualquer objeto que participe de suas composições torna-se parte integrante de uma obra de arte. Considera a arte como um exercício de liberdade, rejeitando as fronteiras entre as disciplinas artísticas. A estética neutra das suas luzes neon são provocações poéticas, livros abertos no espaço que convidam ao diálogo com o espectador.
Uma parte significativa do trabalho de Verena encontra-se no espaço público. Isso pode ser nas vitrines das lojas, nos telefones de rua, nos bancos públicos… ou mesmo nos neons distribuídos nas ruas ou parques como é o caso de São Paulo com a ciclovia do rio Pinheiros. Mas também está muito presente na imprensa, impactando no design das revistas onde é convidada. Para ela, o espaço público, principalmente no Brasil, é um lugar ideal para a educação, o convite para pensar o mundo.
“É muito especial dialogar com as pessoas que não estão esperando encontrar uma arte enquanto transitam. É perder o controle sobre o trabalho, de quem vai assimilar, fotografar, refletir sobre aquilo e passar para a frente. Especialmente para um lugar como o Brasil onde arte e cultura não são valorizadas, usar a cidade como suporte é uma ferramenta importante de comunicação. A cidade é um suporte perfeito para a arte”, afirma a artista.
Ela mostrou seu primeiro letreiro neon verde “Desesperar Jamais” no jardim do CCSP em 2019. Depois de vários anos trabalhando nessa direção, ela agora quer avançar para outra coisa. Esta exposição em Rosewood será talvez um adeus às luzes neon? Outro bom motivo para não perder essa exposição.
Verena é paulistana, nascida em 1984. Tem dois livros publicados, sendo o último deles “Eu Você” pela editora Paralela em 2016. É colaboradora criativa brasileira da marca italiana Gucci desde 2015. Seu trabalho já passou pelas páginas de publicações renomadas como Vogue Brasil, Harper’s Bazaar Brasil e Folha de São Paulo. Também contribuiu para projetos de grandes marcas brasileiras, como Arezzo, Fórum e Melissa, além de artistas como Marcelo D2.