POR MARC POTTIER
A paisagem que eu pinto sempre existiu. Ela já existia antes dos homens nascerem e se perpetua para além do seu desaparecimento. Ela é um sonho eterno onde tudo convive em harmonia. Ela é constituída pela paisagem que vejo da minha janela, como esta montanha de pedra, mas, também, pelas que trago na memória desde criança, pelas descritas nos livros que li e pelas histórias que me contaram. Toda essa beleza, essa diversidade, me intoxica a ponto de me cegar para o resto do mundo.
Welcome to Wonderland.
Luiz Zerbini
De seu atelier na Gávea, no Rio de Janeiro, o artista brasileiro Luiz Zerbini observa o Jardim Botânico da cidade. Este bairro não pode ser melhor para quem se inspira constantemente na mata atlântica brasileira, pois combina magnificamente a natureza com traços da história colonial e os excessos da sociedade de consumo. Escultor, designer, fotógrafo, vídeo-maker, Luiz Zerbini é sem dúvida, acima de tudo, um grande pintor. Com uma ampla paleta de cores vibrantes, ele expõe em suas telas, de tamanhos impressionantes, as paisagens urbanas, a cultura brasileira e a natureza exuberante da flora tropical, com motivos que vão da geometria à figuração. Ele desmembra as formas em linhas sinuosas, que evocam a vegetação tropical ou revelam padrões marcantes, criados a partir de texturas variadas.
Ficou marcada na nossa memória a sua grande instalação na exposição “Nous les arbres’” da Fundação Cartier, em Paris, apresentada também na Trienal de Milão, e mais recentemente, sua grande exposição no MASP em São Paulo ou sua retrospectiva no CCBB no Rio de Janeiro, que puderam exibir todas as habilidades criativas do excepcional artista que ele é. Agora, o MON de Curitiba, com a exposição “Afinidades III – Cochicho” revela um ângulo completamente diferente do artista, e apresenta em avant-première algumas obras de seus diários de viagem.
Os Diários de viagem
Zerbini começou seus diários de viagem em 2014, mas o ritmo se tornou mais constante durante a pandemia, que lhe proporcionou mais tempo livre, permitindo-lhe viagens a Búzios, Paraty ou Bocaina. São obras em tinta acrílica ou aquarelas. Na maioria das vezes Luiz usa telas pequenas, em chassi (como as que estão na exposição), optou pelo caderno pelas suas aquerellas. Estas pequenas obras, agora destacadas e montadas em madeira, permitem-lhe uma relação direta com a paisagem. Com esta pintura ao ar livre, o artista pode redescobrir uma sensação de liberdade que nem sempre as grandes composições, pelas quais é até hoje mais conhecido, podem lhe proporcionar. Trabalhar com as grandes telas pode levar a uma certa forma de sofrimento, pois elas exigem muito e geram uma enorme responsabilidade emocional. Com os seus diários de viagem, Zerbini encontra outro tipo de prazer, mais simples, uma ‘brincadeira’ mais espontânea, uma forma mais rápida de trabalhar ou mesmo criar uma oportunidade para meditar. Isto permite-lhe associar-se com a simplicidade daquilo que o rodeia. A paisagem aparece então como é, sem ser idealizada, sem maneirismo, lirismo ou edenismo. Poucos elementos aparecem, uma pedra ou um barco podem se tornar o foco principal da composição. Assim, sem transformação, permite-lhe manter uma visão familiar do assunto tratado. Esses trabalhos, nos seus cadernos, deram origem ao livro “Sábados, domingos e feriados” pela Editora Cobogó.
Cochicho
Com “Cochicho”, Luiz Zerbini nos leva para sua intimidade. Não é uma exposição vistosa, política, mesmo que mostrar a Natureza não possa ser considerado algo trivial, sem importância. Ele queria que a exposição fosse como um sussurro, um cochicho que ele dirige aos artistas selecionados na coleçao do MON do projeto ‘Afinidades’ e entao indiretamente ao público, em um verdadeiro espírito de partilha de seus momentos privilegiados. Zerbini não gosta de ser definido como artista multimédia, mesmo que isso possa corresponder a uma determinada realidade. Aqui, ele quer ser paisagista, no sentido lato da palavra, que quer “abraçar o mundo”. Ele também hesitou em se definir como um ‘viajante’, no sentido de viajar através de diferentes culturas. Mas aqui é o seu amor pela Natureza que ele celebra. Por trás de uma aparente calma, está o medo real que nos fala de um mundo apocalíptico atual, de destruição ambiental.
Através de 44 pinturas, 11 aquarelas e 12 monotipias, Luiz Zerbini nos abre pela primeira vez seu jardim secreto. Como em muitos diários de viagem, Luiz intitula suas obras simplesmente pelos lugares que visitou (Mamanguá, Ilhas das Palmeiras, Boipeba, Mangaratiba, Itacaré, Ilha Grande…) ou pelo nome do objeto descrito (Amandoeira, Araucárias (Bocaina de Minas), bananinha d’água, cachoeira, chuva do mar.…).
Sobre as monotipias
Desde 2016, Luiz Zerbini também se dedica à criação de monotipias. Para isso conta com um atelier especial, em frente àquele onde pinta. Conta também com a expertise do impressor João Sanchéz, do Estudio Baren. São impressões únicas obtidas por um processo não reproduzível. Folhas, flores ou ramos, selecionados e recolhidos por conta de seus contornos, formas e texturas, são colocados sobre uma placa metálica previamente tintada. Uma grande folha de papel cobre tudo, último elemento necessário para criar uma monotipia. É na passagem pela prensa que a composição imaginada pelo artista é transferida para a folha de papel, revelando nesse momento formas e cores surpreendentes, entre a figuração e a abstração, criando assim um extraordinário repertório vegetal.
Afinidades
Foi a visita às coleções do MON que deu a Luiz Zerbini a ideia de apresentar os seus diários de viagem. Nela encontrou artistas paisagistas, que não conhecia, mas cujas visões o sensibilizaram. Luiz sempre esteve atento a esse tipo de trabalho e sempre seguiu, por exemplo, as paisagens mineiras de Guignard (1896-1962), os diálogos cromáticos do artista paulista Rodrigo Andrade (1962-), mas também as marinhas de Pancetti (1902-1958), as obras do paisagista francês Corot (1796-1875) e do artista americano Winslow Homer (1836-1910), conhecido pelas suas paisagens marítimas e como testemunha objetiva do seu tempo e enfim, certo, Luiz cita o seu professora de aquerella, o artista paulista Dudi Maia Rosa (1946-)
‘Afinidades’, que chega a sua terceira edição, é um jogo sutil onde os artistas são convidados a recorrer às coleções do MON e a criar uma exposição onde as obras selecionadas da coleção do Museu, ecoam as dos artistas convidados. Assim, em sua caça ao tesouro, Luiz Zerbini selecionou cinco artistas que responderam a essa observação atenta da Natureza, que lhe é tão cara.
Um deles foi Bruno Lechowski (1887-1941), músico e pintor polaco-brasileiro (carioca), conhecido por suas paisagens do Rio de Janeiro e da ilha de Paquetá. Luiz sem dúvida terá sentido seu amor pela natureza, que teria podido florescer em seu sítio em Campo Grande, onde passou o fim da vida cultivando árvores frutíferas e criando animais. Luiz selecionou nove obras deste artista cujos títulos ecoam os seus: Campo, Tarde de outono, Arvores, Fortaleza, Campos gerais, Tarde de inverno, Paisagem em verde, Pinheiros e Bandeiras. Uma espécie de outro diário de viagem, mas involuntário.
Faz parte da seleção “Canal de Morretes”, do artista ítalo-brasileiro (paranaense) Guido Viaro (1897-1971), que dedicou mais de 40 anos de sua vida ao ensino da arte, formando assim diversas gerações de pintores em Curitiba.
Dois delicados desenhos do suiço-brasileiro Guilherme William Michaud (1829-1902) da sua cidade adotiva, Superagüi, PR, e uma pintura, destacam o trabalho particular deste agricultor e designer autodidata que fez da Natureza sua escola de aprendizagem, desenhando e pintando a mata virgem, as árvores, o amanhecer e o entardecer…
O grande artista autodidata, pós-impressionista e expressionista paranaense, influenciado pela obra de Van Gogh, Miguel Bakun (1909-1963), filho de imigrantes ucranianos e conhecido por suas paisagens, chamou evidentemente a atenção de Zerbini, que escolheu para a sua seleção a pintura “Quintal com araucárias”.
Outra celebridade paranaense, Theodoro de Bona (1904-1990), que se autodenominava impressionista, está presente neste jogo de afinidades com três pinturas (Araucária, Clareira e Paisagem paranaense) que guardam o mesmo impulso romântico de uma exposição contemporânea que homenageia a Natureza.
Afinidades III – Cochicho de Luiz Zerbini traz para o MON, esse olhar delicado e intimista em relação a Natureza, criando assim um momento para se parar e meditar, antes que seja tarde demais.
Não é só sobre o que se está vendo
É sobre o que está ouvindo quando se está vendo
Não é só sobre o que está ouvindo quando se está vendo
É sobre o que se está sentido quando se está ouvindo quando está vendo
E sobre o que pensa quando se está sentido o que se está ouvindo quando se está vendo
Não é o que se pensa quando se está sentido o que se está ouvindo quando se está vendo
Não é o que se está sentido quando se está ouvindo o que se está vendo
Não é o que se está ouvindo quando se está vendo
É só o que se vê
Luiz Zerbini