Teatro Miguel Santana. Fotos: Andreas Sandes

Arte em Salvador

Que a Bahia é banhada em arte todos nós sabemos. Música, fotografia, cinema, etc…. Todos já de longa data conhecidos e reconhecidos. E com artes visuais não poderia ser diferente. Quem por aqui passa deixa o coração.

We all know that Bahia is steeped in art. Music, photography, cinema, etc… All long celebrated and recognized. The same holds true for the visual arts. Those who pass through here leave a piece of their heart behind.

POR SYLVIA CAROLINNE

Ao longo do ano tive a possibilidade de finalmente passar algumas temporadas em Salvador, e não usar a cidade só de passagem. Aproveitei para escolher alguns locais icônicos e tradicionais e outros recém-chegados ao circuito das artes. Impossível deixar de sentir essa aura de criatividade no ar. Esculturas, orixás, abadás, fantasias, enfim…. uma infinidade de expressões artísticas, para extravasar todo o poder criativo da Bahia. Me fez pensar que talvez este seja um dos motivos da rotação daqui ser mais lenta. É preciso tempo para captar o ócio criativo.

Vamos começar com o MAC Bahia, irmão caçula dos museus já afamados da cidade e que se estabeleceu num lugar maravilhoso: um palacete do início do século 20 totalmente reformado com anexo para obras de grande porte, espaço para reserva técnica de nível internacional e uma coleção inicial de 175 peças vindas do Museu de Arte Moderna da Bahia e dos artistas premiados pelo antigo Salão de Artes Visuais da Bahia. Na verdade, o local foi pensado para o sediar o museu Rodin, mas que acabou se tornando o museu como o vemos hoje. Encabeçando a equipe vem o curador Daniel Rangel, diretor do museu. Com muita história para contar, consegue um fato inédito: abrir a instituição 6 dias por semana e todos os dias em horário estendido, com direito a área de restauração e espaço para eventos e shows, como ditam os mandamentos da Bahia.

Pensando na lista de museus optei em seguida pelo MUNCAB, outro espaço inaugurado há pouco tempo, onde se encontra o centro de preservação e valorização da cultura afro-brasileira. Na primeira visita, tive a sorte de rever a mostra Um defeito de Cor, que na sua itinerância já consegui conferir por 4 diferentes espaços.

Throughout the year, I finally had the opportunity to spend extended periods in Salvador, rather than just passing through. I took the chance to explore both iconic, traditional venues and new places for the local art scene. It was impossible not to feel the creative energy in the air. Sculptures, representations of orixás (divine spirits in Afro-descendant religions), carnival costumes, and countless other artistic expressions showcased the boundless creativity of Bahia. It made me wonder whether this is why life here seems to move at a slower pace. It takes time to understand creative leisure.

Let’s begin with MAC Bahia, the newest among the well-known museums in the city, which has found its home in a stunning early 20th-century mansion, completely renovated and with an added annex for large-scale works, an internationally standard technical reserve space, and an initial collection of 175 pieces sourced from the Bahia Museum of Modern Art and from honored artists at the former Bahia Art Salon. The place was originally intended to house the Rodin Museum but has evolved into the museum we see today. At the helm is curator Daniel Rangel, the museum’s director. With many stories to share, he has achieved a remarkable feat: keeping the institution open six days a week, with extended hours every day, featuring a restoration area and spaces for events and concerts, in true Bahian fashion.

Considering my list of museums, I next chose to visit MUNCAB, another newly opened space dedicated to the preservation and promotion of Afro-Brazilian culture. On my first visit, I was fortunate to revisit the exhibition “Um defeito de Cor”, which I had already seen in four different locations during its tour.

Chegando no MAM BA. Fotos: Andreas Sanden

Os próximos da lista foram e MAM Bahia e o Museu Carlos Costa Pinto. O espaço ocupado pelo MAM, além de incrível, tem outras regalias, como a proximidade do mar e a escada de Lina Bo Bardi a reinar no interior do prédio principal. A visita se torna uma bênção para os sentidos. Já no Carlos Costa Pinto a coleção, super bem exposta, esbarra no quesito horário, que dificulta um bocado quem decide conferir o seu acervo. Mas devo acrescentar que vale a pena o esforço de adequar a visita à agenda. Lá consegui ver pela primeira vez as famosas Joias de Crioula, que motivaram a mostra Dona Fulô e Outras Joias Negras no MAC Bahia (outra mostra surpreendente).

Na seleção dos museus relacionados à história singular da cidade, visitei a Casa do Rio Vermelho, onde Jorge Amado e Zélia Gattai fizeram pouso por tantos anos e usaram o espaço como uma “Embaixada Cultural”, abrindo um mundo novo a tantos artistas, escritores e intelectuais internacionais. O segundo local, um pouco fora de Salvador, na Praia de Itapoã, a Casa di Vina Memorial, revela um pouco da intimidade de outro mestre: Vinícius de Morais. Um passeio feito à tarde, como sugerido por Vinícius em sua música Tarde em Itapoã, e que poderia ter se estendido num belo almoço no próprio espaço.

No centro de Salvador, no ponto chave da cidade visitei a Galeria Mercado. Uma área no subterrâneo do Mercado Modelo onde foi instalada a obra Lágrimas de Vinicius S A, que vi pela primeira vez anos atrás na Caixa Cultural RJ. O impacto de ver a obra instalada nesta área, com séculos de história por trás, é indescritível.

The next stops on my list were the MAM Bahia and the Carlos Costa Pinto Museum. The space occupied by MAM is not only stunning but also offers additional perks, like its proximity to the sea and Lina Bo Bardi’s staircase, which majestically adorns the interior of the main building. Visiting this museum is a true delight for the senses. The Carlos Costa Pinto Museum boasts a well-curated collection; however, it faces challenges with its opening hours, making it a bit inconvenient for those who are eager to explore its exhibits. However, I must say it’s worth the effort to fit a visit into your schedule. At this museum, I finally had the chance to see the famous “Joias de Crioula,” which inspired the remarkable exhibition “Dona Fulô e Outras Joias Negras” at the MAC Bahia (another surprising exhibition).

While selecting museums related to the city’s unique history, I visited Casa do Rio Vermelho, where Jorge Amado and Zélia Gattai lived for many years, turning it into a “Cultural Embassy” that introduced a new world to countless artists, writers, and intellectuals from Brazil and abroad. The second destination, slightly outside Salvador in Itapoã Beach, was the Casa di Vina Memorial, offering a glimpse into the personal life of another master: Vinícius de Moraes. It was an afternoon visit naturally, as suggested by Vinicius’ famous song Tarde em Itapoã which translates as Afternoon in Itapoã. The visit could have been complemented by a lovely lunch right there on the premises.

In Salvador’s center, a key point in the city, I visited the Mercado Gallery. This is an underground area of the Mercado Modelo where the installation “Lágrimas de Vinicius S A” is currently on display, a work I first encountered years ago at Caixa Cultural in Rio de Janeiro. Seeing the piece in this historic area, with centuries of history behind it, is indescribable.

Vinicius SA na Galeria do Mercado. Fotos: Andreas Sanden

Na seção ateliês acabei ficando entre amigos e cumpri a promessa de visita feita há tempos atrás aos ateliês de Maria Adair, um ícone da cidade, seguida pelo novo espaço de Gustavo Moreno. Estas visitas, na verdade, foram o estopim para essa coluna. Por que apenas cumprir uma promessa de visitas e não me estender pelos tantos espaços espalhados pela cidade? Amigos de longa data, Gustavo e eu nos conhecemos quando tínhamos ateliê na Bhering, RJ. Assistir o regresso dele às raízes, amadurecido e tendo suas esculturas apresentadas em solo no estande da Acervo Galeria de Arte na Rotas Brasileiras, foi bem estimulante. Quanto à Maria Adair, imparável, como se produzir e respirar fosse uma só ação, criou seu próprio estilo, o Mariadaísmo. Com uma vida dedicada às artes e, mesmo com impedimentos de ordem médica, continua com a “mão na massa” com obsessão e deleite. Um compromisso de vida com a arte. Nesta visita ainda teve a cereja no bolo: um almoço totalmente especial feito pela filha de Maria Adair, Moema Brocchini, chef com passagens pela Europa e restaurante em Paris.

Passando para a lista das galerias, confesso que pesou na escolha a saudade de rever o acervo da Paulo Darzé e a curiosidade de conhecer o espaço da Alban Galeria. Completei o percurso com uma visita memorável à Itamar Musse Antiquário, tanto em relação ao espaço que ocupa quanto o acervo de antiguidades que apresenta.

Duas surpresas mais que incríveis. Primeiro, a descoberta de Voltaire Fraga, fotógrafo baiano nascido no início do século XX, com registros de personagens do dia a dia, antigos luminosos urbanos e imagens do mar que mais pareciam saídas da Volvo Ocean Race. Em segundo, estar cara-a-cara com o trabalho de Jayme Fygura, figura mítica da cidade de Salvador, conhecida como o Bispo do Rosário da Bahia. Eu não teria feito uma descrição melhor.

In the art studio section, I ended up among friends and fulfilled a long-standing promise to visit the studios of Maria Adair, an icon of the city, followed by Gustavo Moreno’s new space. These visits were actually the catalyst for this column. Why just keep a promise to visit friends when I can explore the many spaces scattered around the city? Gustavo and I go way back; we met when we worked in art studios at Bhering in Rio de Janeiro. Seeing him return to his roots, more mature and with his sculptures featured in a solo presentation at the Acervo Art Gallery at Rotas Brasileiras, was truly inspiring. As for Maria Adair, she’s unstoppable; creating and breathing are one and the same for her as she developed her own style, the “Mariadaísmo.” With a life dedicated to the arts and despite medical challenges, she continues to get her hands dirty with passion and joy. A lifelong commitment to art. The visit also included a special treat: a unique lunch prepared by Maria Adair’s daughter, Moema Brocchini, a chef with experience in Europe and restaurants in Paris.

Following now to the list of galleries, I confess that the desire to revisit the collection at Paulo Darzé and the curiosity to explore the space at Alban Gallery heavily influenced my choices. I completed the journey with a memorable visit to Itamar Musse Antiquário, both for the space it occupies and the remarkable collection of antiques it showcases.

There were two truly incredible surprises. First, I discovered Voltaire Fraga, a photographer from Bahia born in the early 20th century, whose work captures everyday characters, old urban lights, and sea images that could easily be mistaken for scenes from the Volvo Ocean Race. Second, I had the opportunity to come face-to-face with the work of Jayme Fygura, a legendary figure in Salvador, known as the “Bispo do Rosário from Bahia.” I couldn’t have described it better myself.

Igreja de São Francisco. Fotos: Andreas Sanden.

Essa coluna nada tem de dicas de turismo ou de gastronomia e nem quero dar uma de Wanderlog, mas é impossível não citar o maior patrimônio cultural: a culinária. Encerro com uma pequena amostra: Casa de Tereza, Preta, Poró, Lafayette, Uauá, Dona Mariquita, Mistura Fina e o grande Manga. Sim….3 quilos a mais na bagagem corporal!

Claro que fiz vários passeios de turista. E recomendo cada um deles. Mosteiro de São Bento, Igreja do Bonfim, Feira de São Joaquim e, fechando com chave de ouro, o show do Balé Folclórico da Bahia, no Teatro Miguel Santana, e o concerto de domingo do projeto Neojibá. Mas não deixem de visitar o ateliê do Prentice, pura arte em azulejos.

Sei que apenas comecei a conhecer a cidade- afinal, nem cheguei a iniciar a lista de jovens artistas – mas voltar será sempre um prazer!

This column is not about tourism or gastronomy tips, and I don’t intend to play the role of a Wanderlog travel guide, but it’s impossible not to mention the greatest cultural treasure: the cuisine. I’ll end with just a few highlights: Casa de Tereza, Preta, Poró, Lafayette, Uauá, Dona Mariquita, Mistura Fina, and the incredible Manga. Yes… 3 extra kilos in my body luggage!

Of course, I did several tourist activities, and I recommend each one of them. Mosteiro de São Bento, Igreja do Bonfim, the São Joaquim Market, and, to top it all off, the Folkloric Ballet of Bahia show at the Miguel Santana Theater and the Sunday concert by the Neojibá project. But don’t miss visiting Prentice’s studio, where you’ll find pure art made into tiles.

I know I’ve only just begun to explore the city—after all, I haven’t even started on the list of young artists—but coming back will always be a pleasure!

VEJA ABAIXO GALERIA COMPLETA DE IMAGENS:

See the full image gallery below:

Compartilhar:

Confira outras matérias

ALTO FALANTE

Adriana Varejão: o avesso da história

POR ARTUR DE VARGAS GIORGI
Desde a década de 1980, Adriana Varejão revisa com seu trabalho pictórico um amplo e variado …

Notícias da França

Conversa com a artista: Maria Fernanda Paes de Barros

Maria Fernanda Paes de Barros explora as conexões entre arte, design e cultura indígena em Entre Nós, mostra em cartaz …

ALTO FALANTE

Modernismo e subalternidade

Por Fabrício Reiner
Em 14 de fevereiro deste ano a revista Dasartes publicou uma resposta de João Candido Portinari à resenha …

Notícias da França

Verena Smit: Sussurar do invisível

Pela primeira vez a artista Verena Smit, cuja escrita é seu principal meio, mostra um conjunto, uma ‘retrospectiva’, de suas …

ALTO FALANTE

Christian Boltanski: anarquia do arquivo

POR ARTUR DE VARGAS GIORGI
A relação entre arte e arquivo é, provavelmente, uma das chaves de leitura de maior produtividade …

Notícias da França

LUCIO SALVATORE: DIFETTO D'IDENTITÀ

Conversa com o curador Marc Pottier sobre as exposições:
Galeria Karla Osorio – Brasília (11 de março a 23 de abril …

ALTO FALANTE

O Parque de Renina

Por Fabrício Reiner
…é uma impressão em que a alma talvez tenha uma parte maior do que os sentidos, de amplitude …

ALTO FALANTE

Di Cavalcanti e uma ideia de Brasil

Por Fabrício Reiner
No último dia 8 de janeiro de 2025, voltou ao Palácio do Planalto a emblemática obra de Emiliano …

ALTO FALANTE

Mac e a navalha que insiste em se esconder. Flávio Império, Brecht e a Ópera dos Três Vinténs

POR FABRICIO REINER E BIANCA DETTINO
“Na verdade, eu vivo numa era sombria.
O mundo inofensivo é estúpido
E uma fronte sem rugas …

Notícias da França

LUIZ ZERBINI apresenta em avant-première algumas obras de seus diários de viagem

POR MARC POTTIER
A paisagem que eu pinto sempre existiu. Ela já existia antes dos homens nascerem e se perpetua para …

ALTO FALANTE

Entre bananas e esculturas invisíveis

POR ALLAN CARLOS MOREIRA MAGALHÃES
A criatividade humana parece não encontrar limites, especialmente no campo das artes. E quando esta se …

ALTO FALANTE

As cidades, a vida em comum

POR ARTUR DE VARGAS GIORGI
Quem circula por cidades que confrontam, hoje, os limites do seu próprio crescimento depara-se com uma …

ALTO FALANTE

TRANSLITERAÇÃO: A arte conceitual de Ana Raylander

POR ANDRÉ TORRES
Palavras-chave: Ana Raylander; Arte Contemporânea; Práticas Conceituais; Identidade.

I. A hora de Ana Raylander
Ana Raylander tem emergido na cena …

ALTO FALANTE

A traição dos retratos

POR ARTUR DE VARGAS GIORGI
É um lugar comum dizer que, na pintura de um retrato, o que mais importa, para …

ALTO FALANTE

A citação como procedimento

POR ARTUR DE VARGAS GIORGI
Muitíssimo antes dos memes e das postagens e re-postagens virais; muito antes dos processos contemporâneos de …