Fábrica de Graffiti, João Monlevade, 2023 | FOTO: Lucas Guerra Utrópica

O grafite que ganha as ruas e o lambe-lambe que ganha as casas

Nos últimos anos, venho observando uma fascinante transformação: a valorização da arte de rua no Brasil, uma forma de expressão cultural há muito tempo subestimada e marginalizada. O mais interessante é que essa mudança não se limita às ruas das cidades, mas também foi incorporada no design de interiores, seja nas casas, lojas ou escritórios das pessoas, trazendo consigo a essência vibrante e autêntica da arte urbana.

Por Paula Mesquita Lage

Nos últimos anos, venho observando uma fascinante transformação: a valorização da arte de rua no Brasil, uma forma de expressão cultural há muito tempo subestimada e marginalizada. O mais interessante é que essa mudança não se limita às ruas das cidades, mas também foi incorporada no design de interiores, seja nas casas, lojas ou escritórios das pessoas, trazendo consigo a essência vibrante e autêntica da arte urbana.

As cidades estão mais coloridas. Projetos de grafite dentro e fora das capitais têm desempenhado um papel fundamental na valorização e legitimação da arte de rua e da cultura Hip Hop como um todo. Essas iniciativas transformam a paisagem urbana, promovem o diálogo cultural, a inclusão social e o empoderamento das comunidades locais ao gerar oportunidades de trabalho para os grafiteiros e democratizar o acesso à arte, promovendo sua apreciação pública.

Se antes São Paulo (SP) era a única referência em grafite no Brasil, hoje outras cidades se destacam nesse campo. Belo Horizonte (MG), por exemplo, se tornou um grande pólo da arte de rua na última década. Para uma capital nascida de um projeto urbanístico de inspiração europeia, com uma educação apegada ao barroco mineiro e o modernismo de Niemeyer, é impressionante que em um intervalo tão curto de tempo a cidade tenha se pintado da arte de origem afro-americana que surgiu contestando o status quo.

Fábrica de Graffiti, Juiz de Fora, 2023 | FOTO: Fábrica de Graffiti

Esse novo cenário urbano, aos poucos, molda o olhar das pessoas: oferece um novo repertório estético e cultural, diversifica as referências artísticas e amplia o que se entende por arte. Torna-se natural, então, incluir essas novas referências e narrativas nos espaços da nossa identidade.

Uma das manifestações mais emblemáticas dessa tendência é o lambe-lambe — tipo de cartaz que desde o século XIX é pregado nos muros e postes das ruas como forma de expressão artística, política e cultural — que agora encontra uma nova função dentro da vida das pessoas, sendo usado para dar mais personalidade e originalidade aos ambientes.

A decoração de interiores ganha nova vida com a adesão do lambe-lambe. Artistas locais e trabalhos 100% autorais estão nos conectando mais profundamente com a nossa brasilidade. É possível encontrar trabalhos que partem de elementos da natureza tropical e símbolos culturais do país, em uma verdadeira celebração da diversidade e das riquezas naturais.

Todo esse movimento demonstra um crescente reconhecimento social do valor intrínseco da expressão artística em todas as suas formas, e representa uma grande mudança no modo como percebemos e interagimos com o ambiente urbano — levando a arte de rua para nossa vida pessoal e visão de mundo. Significa a validação de artes e reivindicações anteriormente consideradas menores e a abertura para o novo.

As matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião da revista Dasartes, sua equipe e conselho editorial.

 Paula Mesquita Lage é produtora-executiva do Fábrica de Graffiti e fundadora da Colado܂art

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