Entre bananas e esculturas invisíveis

POR ALLAN CARLOS MOREIRA MAGALHÃES A criatividade humana parece não encontrar limites, especialmente no campo das artes. E quando esta se une a um bom projeto de marketing apto a transferir todas as atenções do artista para aquele que adquire a obra, estamos diante de um plano rentável de promoção pessoal que o dinheiro pode […]

POR ALLAN CARLOS MOREIRA MAGALHÃES

A criatividade humana parece não encontrar limites, especialmente no campo das artes. E quando esta se une a um bom projeto de marketing apto a transferir todas as atenções do artista para aquele que adquire a obra, estamos diante de um plano rentável de promoção pessoal que o dinheiro pode comprar.

A banana presa com fita adesiva é a obra de arte do momento, não pelas suas qualidades intrínsecas, mas porque foi recentemente comprada por US$ 6,2 milhões por um empresário sino-americano (o equivalente, a cerca de R$ 35,7 milhões) [1]. Trata-se de um valor expressivo que em nada se compatibiliza com o ditado popular “a preço de banana”.

Contudo, continua sendo uma banana, que o direito classifica como um bem fungível e perecível. Ou seja, pode ser substituído por outro bem da mesma espécie, quantidade e qualidade. Além disso, é um bem que o tempo lhe consumirá a substância, pois apodrecerá, isso se não for consumida antes.

Neste aspecto, todas as características que fazem uma obra de arte ser única e exclusiva não estão presentes na “banana presa com fita”, pois é uma junção desconjuntada de tudo aquilo que se possa imaginar como trivial e acessível a todos. Menos, é claro, o local onde a performance foi realizada, pois certamente seria considerado insano aquele que mantivesse em sua casa uma banana presa com fita adesiva na parede. Mas, os museus parecem ter esse poder de Midas, transformando em arte tudo o que lhe é tocado.

As características peculiares desta “obra de arte” despertam as atenções do público, mais por ser inusitada e contrariar as expectativas e os conceitos prévios que o senso comum possui sobre o que é arte. Muitos já buscaram diferenciar a “arte” da “não arte”. Leon Tolstói jogou-se nessa empreitada repleta de subjetivismos em que o gosto individual é algo quase inescapável, e que seduz todos que caminham pelo campo das artes.

Nesta tentativa de definir a arte Tolstói, então, afirma:

[…] arte é a atividade humana que consiste em um homem conscientemente transmitir a outros, por certos sinais exteriores, os sentimentos que ele vivenciou, e esses outros serem contagiados por esses sentimentos, experimentando-os também. […] é […] um meio de intercâmbio humano, necessário para a vida e para o movimento em direção ao bem de cada homem e da humanidade, unindo-os em um mesmo sentimento [2].

Mas, como saber que nessa transmissão consciente os sentimentos do artista são verdadeiros e se a mensagem alcançou os espectadores? Como saber se estão experimentando os mesmos sentimentos? Trilhar esse caminho é cair em infindáveis questionamentos que estão no domínio da especulação. O importante, talvez, não seja definir o que é arte, mas deixá-la fluir e provocar nos espectadores inquietações sobre as quais não conseguem ficar indiferentes.

No caso da banana presa com fita adesiva, saber se ela é arte ou não arte parece ser irrelevante, pois ela é secundária em relação ao valor que alguém está se propondo a pagar, repetindo performances como a da escultura invisível, trazendo à tona, novamente, o velho golpe retratado no conto “A roupa nova do Rei”, de Hans Christian Andersen [3].

Performances artísticas como estas estão se mostrando exitosas para cativar o interesse de pessoas com grande riqueza e dispostas a gastar quantias elevadas, deixando no ar a dúvida se elas padecem da ingenuidade do Rei que adquiriu a roupa invisível e prostrou-se nu perante os seus súditos, ou se, ao contrário, estão se promovendo pessoalmente, na tentativa de transmitir uma imagem de superioridade quase mítica, pois conseguiriam enxergar a roupa que apenas as pessoas inteligentes conseguem ver, como no conto de Andersen?

A resposta para essa indagação será dada quando alguém viralizar uma postagem nas redes sociais gritando: “- coitado do Rei … Está nu!” e a multidão viralizar em coro “O Rei está nu! O Rei está nu!”.

Notas:
[1] FORBES. Notícia. Banana Presa com Fita Adesiva é Leiloada por R$ 35 Milhões. Disponível em: https://forbes.com.br/forbeslife/2024/11/banana-presa-com-fita-adesiva-e-leiloada-por-r-35-milhoes/Acesso em: 21 nov. 2024.
[2] TOLSTÓI, Leon. O que é arte: a polêmica visão do autor de Guerra e Paz. Trad. Bete Torri. 2ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016, p. 60.
[3] MAGALHAES, Allan Carlos Moreira. A escultura invisível e o velho golpe da roupa do Rei. Coluna Exordial. IBDCult. Disponível em: https://www.ibdcult.org/post/a-escultura-invis%C3%ADvel-e-o-velho-golpe-da-roupa-do-rei Acesso em: 10 nov. 2024.

Allan Carlos Moreira Magalhães, Doutor em Direito. Professor da Universidade do Estado do Amazonas. Articulista do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)

Compartilhar:

Confira outras matérias

Bastidores Dasartes

Arte em Salvador

POR SYLVIA CAROLINNE
Ao longo do ano tive a possibilidade de finalmente passar algumas temporadas em Salvador, e não usar a …

ALTO FALANTE

Di Cavalcanti e uma ideia de Brasil

Por Fabrício Reiner
No último dia 8 de janeiro de 2025, voltou ao Palácio do Planalto a emblemática obra de Emiliano …

ALTO FALANTE

Mac e a navalha que insiste em se esconder. Flávio Império, Brecht e a Ópera dos Três Vinténs

POR FABRICIO REINER E BIANCA DETTINO
“Na verdade, eu vivo numa era sombria.
O mundo inofensivo é estúpido
E uma fronte sem rugas …

Notícias da França

LUIZ ZERBINI apresenta em avant-première algumas obras de seus diários de viagem

POR MARC POTTIER
A paisagem que eu pinto sempre existiu. Ela já existia antes dos homens nascerem e se perpetua para …

ALTO FALANTE

As cidades, a vida em comum

POR ARTUR DE VARGAS GIORGI
Quem circula por cidades que confrontam, hoje, os limites do seu próprio crescimento depara-se com uma …

ALTO FALANTE

TRANSLITERAÇÃO: A arte conceitual de Ana Raylander

POR ANDRÉ TORRES
Palavras-chave: Ana Raylander; Arte Contemporânea; Práticas Conceituais; Identidade.

I. A hora de Ana Raylander
Ana Raylander tem emergido na cena …

ALTO FALANTE

A traição dos retratos

POR ARTUR DE VARGAS GIORGI
É um lugar comum dizer que, na pintura de um retrato, o que mais importa, para …

ALTO FALANTE

A citação como procedimento

POR ARTUR DE VARGAS GIORGI
Muitíssimo antes dos memes e das postagens e re-postagens virais; muito antes dos processos contemporâneos de …

Notícias da França

O arquiteto paraguaio Solano Benitez foi escolhido para construir o futuro Museu Internacional de Arte em Foz do Iguaçu

POR MARC POTTIER
Com seus tijolos, Solano Benitez vai além da arquitetura experimental. Artista? Visionário? Arquiteto? Inventor? Solano Benitez é todas …

ALTO FALANTE

Um dia em Basel

POR LIEGE GONZALEZ JUNG
FONDATION BEYELER
Como acontece todo ano, a prestigiosa Fondation Beyeler abre as portas para os VIPs que estão …

ALTO FALANTE

Surrealismo e esforço construtivo

POR ARTUR DE VARGAS GIORGI
Nos cem anos do surrealismo, eventos e publicações retomam sua história, traçando as relações do movimento …

Notícias da França

Frida Baranek - DENTRO/FORA

POR MARC POTTIER
Artista brasileira, mas cujo playground é o mundo, autodidata, Frida Baranek adora desafios e confrontar a diversidade e …

ALTO FALANTE

Claudio Edinger: ética do olhar

POR ARTUR DE VARGAS GIORGI
Diferentes leituras do trabalho de Claudio Edinger reforçam um mesmo aspecto, que envolve suas imagens, e …

ALTO FALANTE

O grafite que ganha as ruas e o lambe-lambe que ganha as casas

Por Paula Mesquita Lage
Nos últimos anos, venho observando uma fascinante transformação: a valorização da arte de rua no Brasil, uma …

ALTO FALANTE

80 e sempre: a força imortal da Escola Guignard

Por Gustavo Penna*
80 anos da Escola Guignard. Sou grato por fazer parte dessa estrada de sensibilidade, como arquiteto e, acima …