POR JOÃO VICTOR GUIMARÃES
Único representante das Américas no Museus Future África, em Maputo, o Acervo da Laje apresenta uma exposição na sua sede e Salvador, enquanto participa de outra em São Paulo e assina curadoria de uma mostra no Rio de Janeiro
Sendo uma das mais relevantes e impactantes iniciativas artísticas da Bahia e do Brasil nas últimas décadas, o Acervo da Laje é pilar fundador e fundamental para uma nova camada na discussão da posição que as artes ocupam no mundo. Tudo isso, pautando pertencimento, comunidade, território, antirracismo, crítica, estética, cultura, amor e arte. O Acervo da Laje propõe discussões sobre a dita Arte Brasileira, o Modernismo, Lina Bo Bardi, Arte Popular, Museu, Escola, Casa… O Acervo “pacientemente cose a rede de nossa milenar resistência”, citando Conceição Evaristo. José Eduardo Santos e Vilma Santos, respectivamente fundador e fundadora do Acervo, o fazem de forma que abarca e enaltece concepções outras de pertencimento, comunidade, território, antirracismo, crítica, estética, cultura, amor e arte. Embora nitidamente apaixonado (faz parte da fé do/no ser) o Acervo da Laje também é estratégico. Estão, por exemplo, anos luz à frente do conceito de pós-museu elaborado pela Françoise Vergés, cientista política, historiadora, ativista e especialista em estudos pós-coloniais, que esse ano publicou no Brasil o livro “Decolonizar o Museu: Programa de Desordem Absoluta” no qual a autora propõe a criação de um museu que “não se alinha às normas do museu ocidental, que busca formas diferentes de exposição e funcionamento e ao mesmo tempo aprende com as normas de preservação que o Ocidente conseguiu desenvolver graças à sua riqueza. Essa necessidade de transmissão transgeracional e preservação não é nostálgica nem melancólica. Ela resiste ao discurso universalista abstrato tentando situar objetos, sons, imagens e memórias no ambiente vivo”. Vergés continua: “um espaço de exposição e transmissão que leve em consideração análises críticas de arquitetura e história nas artes plásticas. É preciso criar um lugar onde as condições de trabalho daqueles/as que limpam, vigiam, cozinham, pesquisam, administram ou produzem, sejam plenamente respeitadas; onde hierarquias de gênero, classe, raça, religião, sejam questionadas”. Esse ano de 2024, o Acervo da Laje completa 11 anos. Ou seja, 11 anos, à frente de tudo o que as mais brilhantes mentes poderiam imaginar.
Em março do ano passado, iniciando o ano no qual comemorou uma década de existência, o Acervo da Laje realizou, no Museu de Arte do Rio (MAR), a primeira exposição individual de um artista cujas obras estão no/são do Acervo. A exposição César Bahia: uma poética do recomeço, contou com 240 esculturas e máscaras em madeira, com curadoria de Marcelo Campos, Amanda Bonan, Thayná Trindade, Amanda Rezende e Jean Carlos Azuos, e expografia assinada por Gisele de Paula.

Brasil Futuro | FOTO: Wesley Sabino
Desde o último dia 9 de dezembro, contudo, o Acervo da Laje retornou ao MAR com a exposição Brasil Futuro: As Formas da Democracia, na qual se faz presente não apenas com obras mas também assinando a curadoria adjunta da mostra. Brasil Futuro é uma exposição itinerante que surge da necessidade de celebrar a reconquista da democracia no Brasil. A mostra, inaugurada no dia 2 de janeiro no Museu da República, em Brasília, teve sua primeira equipe curatorial formada por Lilia Schwarcz, Paulo Vieira, Márcio Tavares e Rogério Carvalho. Antes de chegar ao MAR, a exposição passou pela Casa das Onze Janelas em Belém, capital do Pará, e pelo Centro Cultural Solar do Ferrão, no Pelourinho, em Salvador, Bahia. Buscando elaborar novas narrativas e apresentar outras perspectivas sobre democracia no Brasil, a mostra definiu-se não apenas como itinerante mas também aberta a artistas, curadores e profissionais de cada local por onde passa. Por isso, em Belém, Roberta Carvalho foi convidada pra curadoria adjunta que, em Salvador, foi formada por Adriana Cravo, Daniel Rangel, Lázaro Roberto e José Carlos Ferreira (Zumvi Arquivo Afrofotográfico) e, claro, Vilma Santos e José Eduardo Ferreira Santos (Acervo da Laje). Além da abertura, escuta e inserção, Brasil Futuro também tem sido nacionalmente reconhecida como raro exemplo de produção cultural capaz de garantir o bem-estar dos trabalhadores em todos os âmbitos, não apenas o financeiro. Propondo, inclusive, uma escuta e inserção dos mesmos ao longo de todo o processo (da produção à montagem) da exposição. Acervo da Laje e Brasil Futuro são exemplos do pós-museu brasileiro.
Em agosto do mesmo ano, o Acervo da Laje marcou presença em duas exposições de São Paulo: Dos Brasis, no SESC Belenzinho, e Ensaios para o Museu das Origens, no Itaú Cultural. Dos Brasis conta com curadoria de Igor Simões, Lorraine Mendes e Marcelo Campos. Ensaios para o Museu das Origens tem curadoria de Izabela Pucu, Paulo Miyada e Ana Roman. Além da exposição Brasil Futuro, o Acervo da Laje também realiza a curadoria da exposição Memórias para Dona Antônia.
Atualmente, na Casa 2 do Acervo da Laje, a exposição Memórias para Dona Antônia reúne obras de 25 artistas homenageando a matriarca do Acervo da Laje e mãe de Vilma Santos. Com uma curadoria coletiva, a mostra também convidou curadores/as, professores/as e artistas a escreverem textos críticos. Entre os/as convidadas estão Gabriela Leandro Pereira Gaia, Izabela Pucu, Paola Barreto, Keyna Eleison, Lilia Schwarcz e Marcelo Campos. Segundo o Acervo, “essa exposição está chamando muito a atenção por conta da diversidade de artistas, toda a expografia e concepção curatorial que é circular e se expande para além das curadorias individuais com artistas como Aduni, Ana D´Boa, Ana Devora, Ana Improta, Augusto Leal, Bruno Costa, Daniel Luz, Daniele Rodrigues, DM, Débora Santos, Diego J. Cardoso, Elson Júnior, Felipe Rezende, Guilherme Almeida, Ivana Magalhães, Julio Alves, Kika Carvalho, Matheus Melo, Mila Souza, Michel Onguer, Panmela Castro, Prentice Carvalho, Simplesmente, Walter Mauro, Zaca Oliveira e Zé di Cabeça”
José Eduardo afirma que “desde o falecimento de Dona Antônia, em 15 de fevereiro de 2023, sentimos um imenso vazio de sua presença nas casas que aqui estamos morando e numa das quais funciona o Acervo da Laje. Sentimos, então, o desejo de fazer memória através da arte, pois estamos, conforme temos dito recorrentemente, fazendo o nosso cânone de artes e memórias através de artistas, artefatos e proposições museais, expositivas, artísticas, culturais e educacionais”. Além de ser mãe de Vilma Santos e matriarca do Acervo da Laje, Dona Antonia também foi dona de casa, ama de leite de muitas crianças do Subúrbio Ferroviário de Salvador, merendeira escolar, rezadeira de crianças, lavadeira de roupa mãe, avó, bisavó e acolhia as jovens que não tinham casa. “Como ela havia sido registrada por duas fotógrafas: Elzinha Abreu, em 2015, e Ana Devora, em 2020, decidimos, a partir desta última foto, pedir a artistas que elaborassem obras a partir de sua técnica e expressão para montar uma exposição em sua memória . E cada obra compõe um mosaico de estilos surpreendentes”, afirma José Eduardo.
Ainda em dezembro do ano passado, José Eduardo e Vilma foram ao Museu da Mafalala em Maputo, Moçambique para estreitar laços. O intercâmbio fez parte do programa Museum Futures África, do Goethe Institute da África do Sul e também trouxe à Bahia Ivan Laranjeira, diretor do Museu da Mafalala. Contemplando três museus africanos, dois indianos e um único museu brasileiro, o Acervo da Laje, o programa, segundo José Eduardo, “nos ajudou a pensar o futuro do Acervo da Laje com mais esperança, proatividade e diálogos. O Museum Futures se constituiu como espaço de diálogo e orientação para o futuro”.
Ainda em janeiro o Acervo deve apresentar ao público soteropolitano uma nova exposição na Casa das Histórias de Salvador. Assim, sempre em movimento orgânico, o Acervo da Laje tem se tornado cada vez mais liderança do Brasil do Futuro. Uma utopia representada nas exposições e vivenciada por quem as acessa.
João Victor Guimarães é crítico de arte, pesquisador, curador, graduando em Artes pela UFBA e colabora com as Revistas Dasartes, Select e Bravo!