Salão Nacional de Arte Contemporânea | MAC Goiás

Com trabalhos de 35 artistas representantes de todas as cinco regiões brasileiras, o Salão Nacional de Arte Contemporânea de Goiás além de se colocar como instrumento de reinserção do estado na cena brasileira novamente, se mostrou uma vitrine capaz de evidenciar e referenciar a potência do que se produz nas terras quentes do Cerrado. Dos cinco premiados, três são do Centro-Oeste – Lucélia Maciel e Valdson Ramos, ambos de Goiás, e João Angelini, do Distrito Federal –, e duas referências especiais entregues pela Comissão de Premiação também o são – Alice Yura, do Mato Grosso do Sul, e José Lisbran, do Mato Grosso. Os outros dois artistas premiados são Marcela Bonfim, de Rondônia, e Desali, de Minas Gerais.

O Salão tem a intenção de se tornar um emblema para a inauguração de um novo momento para a arte contemporânea do Planalto Central, em especial a de Goiás, em seus múltiplos diálogos com a produção das demais regiões do Brasil, ressalta seu curador Paulo Henrique Silva. Esse prêmio de arte nasce de um desejo pessoal, mas também coletivo, de acompanhar as grandes mostras e eventos sudestinos, sob a perspectiva de se sedimentar como registro e como parte da história atual das artes visuais brasileira”, afirma Paulo Henrique. Ele acrescenta: “Um Salão realizado em Goiás, no centro geográfico do país, contribui para a escrita de uma História da Arte mais horizontal, em que periferias e centros são registrados em um mesmo mapa cartográfico”.

Com a intenção de garantir a representatividade de artistas de todo território nacional e de uma produção contemporânea que tenha compromisso com pautas e narrativas poéticas que são caras à sociedade e pertinentes a um momento em que as desigualdades sociais assolam o país e gritam aos olhos, foram convidados para integrar a equipe de curadores/ pesquisadores André Venzon – RS, Bitu Cassundé – CE, Cinara Barbosa – DF, Marisa Mokarzel – PA e Marcio Harum – SP. Durante um período que se estendeu por mais de dois meses, foram realizadas pelos curadores a indicação dos  dezoitos artistas regionais e a seleção dos dezessete outros que se inscreveram e entraram por meio do processo seletivo.

Participam da mostra os seguintes expoentes da arte contemporânea brasileira: Abiniel João Nascimento – PE; Adriano Machado – BA; Alice Yura – MS; Álex Ìgbó – BA; Anna Behatriz Azevedo, GO; André Felipe Cardoso, GO; Benedito Ferreira, GO; Bianca Turner – São Paulo; Biarritzzz – Pernambuco; Camila Soato, GO; Carlos Monaretta, GO; Caroline Ricca Lee – SP; Desali – MG; Evandro Prado – SP; GU da CEI – DF; Gugie Cavalcanti – SC;  Iris Helena – DF; João Angelini – Distrito Federal; Joardo Filho – GO; José Lisbram – MT; Keila Sankofa – AM; Leonardo Lopes – RS; Lucélia Maciel – GO; Mauricio Igor – PA; Marcela Bonfim – RO; Maria Macêdo – CE; Nina Matos – PA; Patricia Gouvêa – RJ; Paul Setúbal – SP; Sallisa Rosa – RJ; Sandro Ka – RS; Talles Lopes – GO; Valdson Ramos, GO; Virgínia Pinho – CE, e Washington Silvera – PR.

A mostra fica aberta à visitação até 9 e outubro, com atendimento ao público avulso e também a escolas públicas e privadas de Goiânia e cidades próximas. O MAC Goiás funciona de terça a sexta, das 9h às 17h, e sábados, domingos e feriados, das 10h às 17h. Vale registrar que o Salão é uma realização do MAC Goiás, Centro Cultural Oscar Niemeyer e Associação Amigos do Mapa com subsídios financeiros do Fundo de Arte e Cultura do Estado de Goiás.

Arte para discutir a sociedade

Paulo Henrique Silva, curador do evento, explica que a expografia da mostra está organizada a partir de três núcleos, visando a melhor fruição dos visitantes e facilitar os debates e reflexões que advém dos trabalhos apresentados. Assim, é possível caminhar pelo espaço do Museu de Arte Contemporânea de Goiânia e se deparar com imagens que vão levar o espectador a pensar em temas intrínsecos ao cotidiano atual, tais como identidade, diversidade étnica e de gênero, meio ambiente e alinhavando todo esse universo em efervescência, a política, em seus amplos aspectos.  “Espero que o Salão Nacional de Goiás seja capaz de despertar, em cada um, o sentimento de resiliência e resistência, tão necessário para sobrevivermos a esses momentos sombrios impostos ao povo e a cultura brasileira”, destaca o curador Paulo Henrique Silva.

No núcleo “Arte, política e território” são apresentados trabalhos que lidam com questões relacionadas a arte urbana e a desconstrução de estigmas estruturais, com sua crítica aos mecanismos de segregação urbana e a ocupação dos espaços institucionais e formais, que por décadas foram ocupados por uma produção branca e elitista. São obras com manobras intelectuais sofisticadas que lançam mão de elementos iconográficos presentes na história colonial, assinalada por conflitos em território nacional desencadeados pela extração ilegal de madeira e minerais preciosos, realizada à época por bandeirantes, até tempos mais recentes marcados pela Marcha para o Oeste, liderada por Getúlio Vargas, em 1937, e posteriormente a construção de Brasília, na década de 1960. As obras têm como centro de suas narrativas poéticas questões acerca da crise política, social e econômica que o Brasil encara, desde a colonização. De um Brasil que, talvez, não tenha dado certo.

O segundo núcleo organizado pela curadoria é composto por um conjunto de obras em que os artistas utilizam a sutileza ao criarem uma espécie de manifesto poético para denunciarem desde queimadas e desmatamentos ao uso do amianto, atualmente ainda usado pelas famílias de baixa renda em formato de telha para cobertura de suas casas. Além de trazer para a exposição trabalhos que imageticamente apresentam uma relação de tensão entre resistência e domesticação da natureza em relação ao ser humano, explora a própria condição existencial por meio de pesquisas aparentemente autobiográficas. Artistas não binários e Trans marcam presença na mostra com trabalhos que questionam os preceitos da masculinidade e feminilidade, relação entre ser humano e natureza, inquietações sobre paradigmas de identidade. As obras subvertem as expectativas e o julgamento do fruidor.

Na perspectiva da crescente participação de artistas homens e mulheres pretas na cena da arte contemporânea brasileira e de movimentos surgidos, principalmente, nos últimos anos, buscando realizar correções históricas, esta edição talvez esteja protagonizando fato inédito na trajetória dos Salões de Arte realizados no Brasil. Os trabalhos deste terceiro núcleo expográfico exploram os limites entre suportes e técnicas diversas, para discutir vários aspectos da subjetividade da produção afro-brasileira. Suas narrativas revelam seus corpos negros marginalizados e ignorados por uma cultura dominante e colonizadora. As pesquisas etnográficas realizadas pelo grupo de artistas proporcionam leituras que estabelecem relações e encontros entre passado e presente. Os trabalhos subvertem as noções de raça e classe, acionando reflexões sobre a presença do corpo negro em espaços públicos e elitizados.

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