Do interior físico ao simbólico, do idílico pôr do sol do oeste paulista e seus tons rosas e terrosos às lutas antirracistas e feministas, do plácido ao conflito, do terrestre ao celeste. Nesse universo de puras misturas, Renata Egreja celebra processo criativo na exposição Cores do Interior, que abrange os últimos 14 anos de produção. Paulistana de nascimento, Renata cresceu, vive e trabalha no interior do Estado de São Paulo e é reconhecida internacionalmente, com obras espalhadas pela Alemanha, França, Índia, dentre outros países. O projeto será lançado no FAMA Museu, na cidade de Itu. Contemplada com o PROAC ICMS de 2022, da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, a mostra busca fomentar a produção e a difusão da arte contemporânea paulista e dar vez e voz a artistas mulheres.
Num percurso que vai do prosaico ao filosófico, a exposição aborda o interior tanto como perspectiva pessoal (o que está no âmago da artista), quanto geográfica (a paisagem à margem dos grandes centros urbanos como inspiração) e histórica (a representação simbólica das cores e a luta feminista para a artista). “É um projeto muito feminino como um todo e que trata da visão sobre diversos conceitos de interior, o interior de si mesma ou o olhar para dentro como estratégia de luta antipatriarcal”, destaca Renata Egreja, que cresceu no meio rural e produz em um ateliê numa fazenda na pequena cidade de Ipaussu, na região Centro-Oeste do Estado de São Paulo, quase na divisa com o Paraná. O ambiente idílico de produção contrasta, contudo, com a metamorfose dos últimos anos na vida pessoal: tornou-se mãe, doula e professora. As questões de gênero e a luta pelos direitos das mulheres tornaram-se constantes em seu trabalho. No seu fazer artístico, Renata reflete sobre ser uma artista mulher diante de uma História da Arte majoritariamente protagonizada por homens. Por isso, reverencia nomes de artistas mulheres – do Brasil – como Beatriz Milhazes, Gabriela Machado, Leda Catunda, Tarsila do Amaral, e do exterior, como a ucraniana-francesa Sonia Delaunay, a inglesa Bridget Riley, as americanas Georgia O’Keeffe e Suzanne Lacy.
Para a exposição no FAMA Museu, um dos maiores museus de arte da América Latina, que ocupa uma área de 25 mil m2 no centro histórico da cidade de Itu, Renata apresenta 18 obras, entre inéditas e destaques dos últimos 14 anos de carreira, que mostram sua rica e multifacetada trajetória. Há suportes variados como pinturas tie-dye, a óleo e acrílica, com pigmentos naturais e sintéticos, como mica e purpurina; aquarelas, cerâmicas e uma instalação imersiva e interativa, que convida pequenos e adultos a se relacionarem de forma mais sensorial com a obra. O “interior” da alma, da vida e do campo se reflete nas obras, buscando uma harmonia entre opostos, da poética (amor, humanismo, maternidade) à política (equidade de gênero e luta antirracista), do rés-do-chão (flores, plantas, sementes, bolo de casamento, ambiente doméstico) ao transcendental (sonhos, utopias, devaneios), do belo ao imperfeito (natureza-morta, manchas e pigmentos aparentes nas telas), do geométrico ao orgânico, do técnico ao intuitivo, da placidez aos conflitos contemporâneos. Em comum, um amálgama de cores, vivas e marcantes.
Parte das obras foi produzida em Paris, durante a formação da artista na Escola Nacional Superior de Belas Artes (ENSBA) e nas suas viagens de aprendizado pela Índia, Itália, Camboja e Vietnã, com obras de 2009 até os dias atuais. Pinturas expandidas, de grandes dimensões e formatos, são outro destaque do projeto. É o caso de Volcano. Pintada em 2010, é uma tela de 2,50m por 2m, que une sagrado e profano, a religiosidade do interior do Estado com um toque cosmopolita, uma santa vestida com roupas carnavalescas e muito glitter. Aspecto texturizado da obra que só pode ser conferido na observação física do trabalho, ao vivo e em cores, revelando a singularidade da peça.
As instalações imersivas da artista são um convite à reflexão e debatem temas caros à sociedade como a misoginia. É o caso da Roda de Mães, que traz uma reflexão sobre questões de gênero. Ela é composta por três tapetes de 2 metros de diâmetro e várias almofadas bordadas com frases provocativas como: “Depois que fui mãe, virei feminista”, “Congela os óvulos”, “Não quero ser mãe”, “Eu fiz um aborto”, “Eu tive um parto orgástico”, “Não tive passagem, não entrei em trabalho de parto”. As frases foram feitas em colaboração com a doula Anna Gallafrio e o bordado é de Gabriela Michelini. Os tapetes foram tecidos por Kika Elias. É uma instalação participativa, trabalho em rede de apoio e de acolhimento, feita por mulheres, para dar voz a artistas mulheres dentro do mercado de arte, que historicamente renegou o protagonismo feminino.
Da curadoria à produção, é um projeto feito por mulheres, sob uma perspectiva feminina. O patrocínio é da empresa Atena Açúcar e Etanol. A produção é da Madri Produções Culturais e a curadoria de Paula Borghi. Doutoranda e mestre em História e Crítica de Arte pela UFRJ, Paula atuou em diferentes projetos, como a 11ª Bienal do Mercosul e a 12ª Bienal de Havana. O rosa em todas as suas nuances é a cor predominante no trabalho, na vida e até no ateliê de Renata, mas o uso da cor, tantas vezes associada ao gênero feminino, ganha outros significados nas obras. Nem toda rosa é rosa ou mero adorno. “O que se tem é uma artista que problematiza a performatividade de gênero por meio da cor e reivindica iconografias circunscritas ao feminino, a fim de esgarçar os limites deste adjetivo no campo pictórico. A afirmação da performatividade do gênero feminino pela estética é a forma ativa que ela encontrou para marcar sua presença num ambiente predominantemente patriarcal. Como quem diz: Vai ter artista mulher fazendo pintura de natureza-morta com tons rosa, sim!”, comenta Paula Borghi, curadora da exposição Cores do Interior.
Carnavalesca, Renata já trabalhou com o carnaval e tira dessa festa da ancestralidade muito da inspiração para a sua arte. Há, na exposição, telas com glitter e purpurina. Efeitos visuais e cores vibrantes que remetem à festa do carnaval, mas também à luta, ao sonho e à realidade. Festa e luta são irmãs. Assim como a pintura e seu poder transformador. A arte conectando sempre o terrestre com o celeste.