A peça-performance, idealizada pelo ator e performer Mauricio Lima – também responsável pela direção e dramaturgia em colaboração com Dadado de Freitas – é um desdobramento do projeto Museu dos Meninos – um museu virtual que investiga procedimentos de preservação, inscrição e invenção de memórias a partir de uma perspectiva favelada e periférica. A pesquisa acontece no Complexo do Alemão, um dos maiores conjuntos de favelas do Rio de Janeiro. Vale destacar que o Museu dos Meninos foi indicado ao 34º Prêmio Shell na categoria Energia Que Vem da Gente.
Para ARQUEOLOGIAS DO FUTURO, Lima apresenta uma arqueologia afetiva, explorando cinco ‘artefatos’ que compreendem objetos, vídeos, personagens e histórias encontrados na fase de pesquisa para o Museu dos Meninos. A dramaturgia parte do “museu” como uma metáfora, mas também se relaciona com os elementos museológicos de forma concreta a partir das ideias de acervo e coleção. A performance mergulha nas memórias, tanto reais quanto inventadas, do performer no Complexo do Alemão, seu território de origem, acompanhado de mais 30 vozes dos jovens negros que formam a coleção permanente do Museu dos Meninos. Nesse contexto, a narrativa instiga reflexões sobre o que o corpo fala, quais corpos são genuinamente percebidos e ouvidos, e quem detém o direito de narrar suas próprias histórias.
A encenação, que transita entre teatro, performance, dança e artes visuais, propõe configurações poéticas para corpos e territórios sistematicamente oprimidos. “Trazemos para o palco uma subversão do imaginário social estigmatizante ligado a esses meninos e ao Complexo do Alemão. O que colocamos em cena é a vida e a delicadeza que transbordam do território e dos corpos que ali vivem, em um exercício poético de criação de outras perspectivas de futuro para esse território e essa juventude”, destaca Mauricio.
As provocações visuais e sonoras desempenham um papel crucial em ARQUEOLOGIAS DO FUTURO. “A peça materializa, em cena, a tensão entre o visível e o invisível, radicalizando a relação entre luz, som e movimento em uma experiência sensorial. Uma manipulação imagética para que ecoe uma pergunta fundamental: ‘Você consegue me ver?”, completa Dadado. A trilha sonora original é composta por Novíssimo Edgar e Beà Ayòóla. A direção de arte é de Evee Ávila.
ARQUEOLOGIAS DO FUTURO foi desenvolvida ao longo de três anos, atravessando e sendo atravessada pela pandemia de COVID-19. A montagem, inicialmente prevista para estrear em 2020 no International Community Arts Festival (ICAF), em Rotterdam, na Holanda, foi cancelada devido à disseminação do vírus. “Foi um período tenso para todos nós. Fomos vendo uma certa ideia de mundo ruir. Não tinha como isso não invadir a performance”, salienta Dadado.
Durante o tempo de isolamento, a pesquisa transformou-se em uma ação site-specific no espaço virtual, que incluíram uma performance virtual, com grande circulação, que chegou a participar até de festivais de cinema, como a Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte (CineBH) e também uma série de encontros com artistas, pensadores e ativistas negros e negras de diferentes partes do mundo, como Djamila Ribeiro no Brasil e, internacionalmente, Joacine Katar Moreira, pensadora luso-guineense. Após três anos de pesquisa em outros formatos, os artistas estrearam a performance no Festival de Curitiba em 2023 e, finalmente, chegaram ao Rio, o território poético da pesquisa.