“Do asilo ao museu – Nise da Silveira e as coleções da loucura” (2024, Hólos Consultoria e Assessoria), de Eurípedes Gomes Cruz Jr., músico e museólogo, que trabalhou por 25 anos junto com Dra. Nise da Silveira (1905-1999), percorre a história das obras produzidas por pacientes psiquiátricos ao longo do último século, abrangendo coleções existentes em vários países: França, Alemanha, Itália, Leste Europeu, entre outros. Fartamente ilustrado, a publicação tem apresentação de Luiz Carlos Mello, diretor do Museu de Imagens do Inconsciente, contracapa de Marcos Luchesi – membro da Academia Brasileira de Letras, de que foi presidente, e atual presidente da Sociedade de Amigos do MII – e prefácio de Kaira M. Cabañas, diretora associada para Programas Acadêmicos e Publicações no Center for Advanced Study in the Visual Arts (The Center), na National Gallery of Art, em Washington, DC.
“Do asilo ao museu – Nise da Silveira e as coleções da loucura” é resultado de 19 anos de pesquisas, que incluíram a tese “O Museu de Imagens do Inconsciente: das coleções da loucura aos desafios contemporâneos” – no Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, que recebeu Menção Honrosa no Prêmio Capes de Tese 2016 – e sua formatação para chegar ao público em forma de livro.
“Durante os estudos para escrever esse trabalho, surgiu a necessidade de contextualizar o aparecimento e desenvolvimento da coleção organizada pela Dra. Nise da Silveira no âmbito de um quadro internacional. Essa premissa até óbvia da pesquisa acabou por me levar a conhecer uma história fascinante, que, iniciando-se no século XIX, eclodiu com notável pujança na primeira metade do século XX. Um processo que começa nos porões dos hospícios e, por meio da atividade museológica, chega aos espaços de exposição e ao contato com o público, gerando diálogos e leituras insuspeitadas e diversificadas, influenciando setores culturais os mais diversos, trazendo à tona, enfim, um discurso cujo silenciamento durou tanto tempo”, explica Eurípedes Gomes Cruz Jr.. Ele complementa, dizendo que este “foi um trabalho coletivo que reuniu uma rede de colaboradores em vários lugares do mundo, todos com o objetivo comum de trazer visibilidade às imagens produzidas por pessoas que foram obrigadas a viver em hospitais psiquiátricos”.
ARTE DA LOUCURA – MUITAS DENOMINAÇÕES, AO LONGO DO TEMPO
Arte bruta, arte psicótica, arte outsider, são algumas denominações que a arte produzida por pacientes psiquiátricos ganharam, ao alcançarem os museus. “A questão da validação (ou não) como obras de arte dos trabalhos criados em oficinas e ateliês terapêuticos é um ponto nevrálgico quando se fala desse tipo de expressão plástica”, afirma o autor. “Para compreender os processos inerentes à musealização desse patrimônio imagético, recorre-se aqui ao conceito de museus ‘fora das normas’ (Jean Trudel, museólogo canadense) e ao conceito de museu interior, enunciado (pela museóloga) Teresa Cristina Scheiner”, observa.
Marcos Luchesi escreve: “Temos aqui um livro fundamental. Inovador. Olhar museológico que descerra uma nova ordenação, conceitos repensados. E toda uma rede altamente delicada para lidar com o inseparável, agora, objeto-sujeito. Livre de sequestros conceituais e reduções disciplinares. Não mais o embate entre nosologia e museologia, estética e psiquiatria, o artista e o psiquismo. Eurípedes associa-se plenamente com a liberdade radial de Nise da Silveira, a mesma inquietação, a mesma solidária convicção de uma larga, cerrada, difusa e contínua aliança poética. Esse livro enriquece um capítulo essencial da museologia”.
Kaira M. Cabañas destaca que o “o caso brasileiro – o Museu de Imagens do Inconsciente, fundado por Nise da Silveira em 1952 – permanece, de ponta a ponta, uma experiência-chave. “Eurípedes, tendo Silveira como companheira de pensamento, interroga cuidadosamente os museus em sua relação com obras criadas em contexto psiquiátrico: o que é, o que faz e a quem serve um museu? Como consequência, este livro dá testemunho do esforço para responder a essas questões, advogando uma ética no trato com as institucionalizações presentes e passadas de tais obras”.
A historiadora de arte menciona a histórica conferência de Jacques Derrida no MoMA de Nova York, em 1996, “Artaud le Moma”, por ocasião da exposição das obras de Antonin Artaud (1896-1948) no museu nova-iorquino. “Derrida nos lembra que Artaud se referia a si mesmo como Satã, como Anticristo, como Momo e como Artaud-Momo”. “Na medida em que desafia o quadro do museu, Derrida também se encarrega de descrever a singularidade do golpe, ou do coup, de Artaud como o meio pelo qual – com marcas violentas, queimaduras no suporte e o que ele mesmo chama de desenhos ‘deliberadamente malfeitos’ – ele se lança contra a reprodução e as apropriações institucionais”. “Para se contrapor ao silêncio das galerias do MoMA e à linguagem visual de sua exibição, Derrida se aliou a Artaud, a seus desenhos escritos, e foi literalmente possuído por ele para colocar o museu e suas expropriações no banco dos réus. Por sua vez, Nise da Silveira retoma a crítica de Artaud da instituição psiquiátrica. Ao longo de ‘Van Gogh le suicidé de la Société’, Artaud lança a pergunta “o que é um lunático de verdade?’, e responde, numa passagem também citada por ela, ‘um homem ao qual a sociedade se nega a escutar, e ao qual quer impedir que expresse certas verdades insuportáveis”.
Eurípedes Gomes Cruz Jr. é vice-presidente da Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente.
Ficha técnica:
Do asilo ao museu – Nise da Silveira e as coleções da loucura (2024)
Autor: Eurípedes Gomes Cruz Jr.
Realização: Hólos Consultoria e Assessoria
Apoio: Sociedade Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente
Museu de Imagens do Inconsciente
Museu Nacional de Belas Artes / Instituto Brasileiro de Museus
432 páginas, formato 26,5 cm x 19cm, capa dura
Coordenação Editorial e Produção: Hólos Consultoria e Assessoria – Christina Gabaglia Penna
Projeto Gráfico: Regina Ferraz
Preparação de Originais: Angela Vianna
Revisão: Ana Grillo
Tratamento de Imagens: Inês Coimbra
Imagem da Capa: Adelina Gomes, “Sem título” (1973), óleo sobre papel, 36 x 28 cm. Coleção Museu de Imagens do Inconsciente, Rio de Janeiro, RJ (T3034). Foto: Mauro Domingues.
Esta publicação – que contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes), Código de Financiamento 001 – teve origem na tese de doutorado do autor apresentada à Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio (PPG-PMUS), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/Museu de Astronomia, e recebeu Menção Honrosa no Prêmio Capes 2016, tornando-se a primeira tese no campo da Museologia a receber essa honraria.
O livro poderá ser encontrado em livrarias físicas e digitais.