Katia Wille apresenta Tudo é Corpo, uma investigação poética que reinterpreta o gênero da natureza-morta em diálogo com questões contemporâneas de identidade, gênero e impermanência. Com pinturas e instalações que esgarçam os limites da materialidade, a exposição explora a relação entre presença e ausência, vida e morte. Combinando camadas de tinta e composições híbridas, Wille subverte convenções históricas, transformando o cotidiano e o transitório em dispositivos de reflexão crítica.
Em Tudo é Corpo, o vazio é central – um espaço de criação que se desdobra entre o visível, o tangível, o dito e o não dito, entre gestos e palavras que convocam à pulsão de transformação e resistência que marca a prática da artista. A mostra convida o público a navegar por um território onde o corpo, tanto físico quanto simbólico, assume um protagonismo irrestrito.
A exposição tem como ponto de partida as obras apresentadas em sua última individual, I wear my insides out, realizada em outubro de 2024 na theBlanc Gallery em Nova York. Nos novos trabalhos exibidos em Tudo é Corpo, Wille explora e aprofunda as questões de identidade, representação e expressão através de uma linguagem visual única, caminhando para uma reflexão mais abrangente e imersiva, desafiando as percepções do público sobre presença e ausência, o visível e o oculto.
A MATÉRIA COMO TERRITÓRIO DE INVESTIGAÇÃO
Entre pintura, instalação e arte têxtil, a artista opera no limite entre superfícies e camadas, onde a materialidade não é um fim, mas um meio para reimaginar relações entre corpo, espaço e tempo. Para Wille, o vazio não é uma falta, mas um espaço de possibilidade, um campo ativo em que narrativas se sobrepõem e identidades se transformam. Entre o que se revela e o que se esconde, a materialidade se torna um meio para repensar a relação entre corpo e mundo.
A instalação Patch Pink destaca essa abordagem ao criar uma forma de vestígio que não veste, um quebra-cabeça de moldes de roupas estruturados em matelassê rosa choque. Sobre essas superfícies, fragmentos de corpos femininos são pintados, compondo uma imagem que nunca se completa. A ausência de encaixe desafia padrões e categorias pré-estabelecidas, sugerindo um feminino que não se reduz a uma única representação. A fragmentação não é ruína, mas reconstrução.
Em As Xenias, Wille tensiona a relação entre identidade e deslocamento. Naturezas-mortas compostas por espécies de origens distintas ocupam recipientes inusitados: peças de roupa invertidas tornam-se vasos. Essa inversão transforma o doméstico e o cotidiano em elementos de acolhimento e estranhamento. O que se espera conter o corpo passa a conter formas vegetais, alterando a ideia de pertencimento e sugerindo uma nova leitura sobre os limites entre o orgânico e o manufaturado. As peças de roupa, normalmente ajustadas ao corpo, agora se abrem como territórios de encontro e transgressão.
As obras Eletrofluxo, que derivam de As Xenias, propõem um embate entre a natureza e a máquina. Dispositivos industriais de extração, como liquidificadores e espremedores de frutas, tornam-se suporte para composições botânicas inesperadas. A fusão entre o natural e o mecânico sugere um questionamento sobre consumo e obsolescência. Aqui, existe a revelação entre o que está em processo e o que é produto: a natureza em crescimento contrasta com objetos projetados para triturar e finalizar ciclos. O que se destina a processar dá origem a uma nova forma de existência, num paradoxo visual que desafia a linearidade da
sociedade contemporânea.
Tudo é Corpo,, convida a um olhar renovado sobre o espaço da arte, onde a efemeridade e o vazio são partes essenciais da criação, transformando o transitório em potência estética. A exposição subverte as convenções da natureza-morta ao dissolver hierarquias entre matéria e simbologia. O corpo, antes periférico, se torna eixo central de um discurso que ultrapassa o humano e se estende ao vegetal, ao têxil, ao industrial. Wille faz uma investigação sobre os limites da presença, e questiona sobre como habitamos e somos habitados pelo mundo que nos cerca. O efêmero é potencializado, e a transitoriedade, em vez de uma perda, torna-se uma possibilidade de reinvenção.
POEMA EMBOLADO: ARTE COMO COSTURA DO TEMPO
“Palavras bordadas, memória encarnada. Entrelaçando técnicas tradicionais e gestos contemporâneos, Poema Embolado cria um percurso íntimo, onde narrativas individuais se cruzam e se dissolvem na trama do espaço expositivo.” — Katia Wille
Um dos destaques da exposição é a instalação Poema Embolado, criada em parceria com artesãs de comunidades periféricas do Rio de Janeiro. Composta por fitas de algodão bordadas com palavras em vermelho, a obra é uma experiência sensorial e interativa: os visitantes são convidados adentrar aa instalação, navegando entre os emaranhados de fitas e vendo-se refletidos nas palavras bordadas.
Poema Embolado é resultado da primeira ação do projeto O Avesso do Vestir, do qual Katia é cofundadora. Em fase de incubação como uma das startups de impacto socioambiental da INYAGA/UFRJ, o projeto utiliza descarte têxtil como matéria-prima para criar obras e instalações vestíveis e penetráveis, promovendo oficinas de criação coletiva que conectam arte, sustentabilidade e comunidade. Assim, Poema Embolado transcende sua materialidade, tornando-se em uma reflexão sensível sobre o cotidiano e o poder das memórias compartilhadas.