José De Quadros | Arte132

Wünstenameisen (Formiga do deserto) | Da série “Tempo para desenhar sobre jornais” ou “desenhos inanimados”, 2006/2012 | FOTO: Henrique Luz

Próximo ao aniversário da capital paulista, ao centenário da Semana de Arte Moderna de 22 e ao bicentenário da Independência do Brasil, a galeria Arte132 apresenta São Paulo, sua, nossa Pauliceia Desvairada, individual de José De Quadros, em cartaz a partir do sábado, 22 de janeiro de 2022. A mostra evidencia a realidade da capital longe das elites e enfatiza suas pluralidades, com obras repletas de elementos que remetem à periferia e ao entorno do ateliê do artista, localizado no Itaim Paulista, extremo leste da cidade.

Por meio de pinturas e desenhos, José ressalta as minúcias do cotidiano, a arquitetura popular, varais, antenas de televisão e fios de alta tensão, uma alusão às questões sociais, políticas e culturais. São 40 obras expostas, que convidam o visitante a conhecer São Paulo a partir da narrativa de quem realmente está inserido na diversidade paulistana. O título da exposição, inspirado na obra Pauliceia Desvairada, de Mario de Andrade, propõe o alargamento do olhar sobre a capital paulista. “O modernismo falava e retratava o centro de São Paulo. A periferia não, ela foi esquecida. José De Quadros busca outros elementos e propõe um diálogo horizontal sobre a cidade de São Paulo, o que é visto na série Atelier de São Paulo”, explica a curadora Tereza de Arruda.

“O artista contemporâneo não vive de uma ambientação idílica e fictícia, mas da realidade que lhe é imposta. No caso de José De Quadros, estas características são marcantes, pois ele convive com as discrepâncias da Pauliceia, por viver na periferia de São Paulo, a transpor em suas obras parte deste universo em um ato de interlocução, inserção e visibilidade de seu entorno, que compõe a pluralidade desta cidade desvairada”, complementa Tereza.

Momentos, perspectivas e acontecimentos são os temas centrais de seus trabalhos, alimentados pela observação e pela escuta. José De Quadros busca interpretar e materializar com atenção e, ao mesmo tempo, sem ser invasivo, as situações do dia a dia, assimilando e documentando o que está ao seu redor. Os retratos também são meios que usa para captar testemunhos de sua intimidade pessoal e de sua investigação a atentar para o outro. Na série de retratos da etnia indígena intitulada Selk’Nam, por exemplo, ele homenageia uma minoria em esquecimento.

Selk’nam era o nome de um grupo étnico que viveu na região patagônica do sul da Argentina e do Chile, incluindo as ilhas Tierra del Fuego, até a primeira metade do século XX. A partir de 1878, houve um genocídio como consequência da colonização da ilha por exploradores de ouro e criadores de ovelhas, causando a completa extinção desta etnia. Nas suas representações criadas pelo artista, destacam-se sua postura e seus ornamentos corporais, tendo o ouro como atributo a lembrar a ganância que causou sua extinção.

“Ao longo da história da arte, vários artistas fizeram trabalhos referentes a seus ateliês, sempre mostrando-os de uma forma romântica ou mítica. Quando abordo o tema ateliê, não mostro o óbvio para um pintor, que seria pincéis, palhetas, cavaletes etc, mas, sim, o que está ao redor, despido de qualquer romantismo ou mítica. Tudo é interpretado com uma certa aridez, revelando o lugar como um mero espaço de trabalho, como outro qualquer. De certa forma, as coisas banais retratadas (escada, janela, cadeira, mesa) adquirem um outro sentido quando mostradas nesse contexto e passam a ter um valor superior, desprendido da nossa visão normal do cotidiano”, declara José.

Nascido em 1958, em Barretos (SP), o artista iniciou seu percurso como autodidata ainda no Brasil. Morou no Itaim Paulista por anos e um longo caminho o levou à Alemanha, onde ingressou na Academia de Arte de Kassel, formando-se em 1998, com especialização em Pintura com o Prof. Kurt Haug. Ambas as cidades onde vive, tanto São Paulo quanto Kassel, sediam duas das mais importantes exposições de artes plásticas – a Bienal de São Paulo e a Documenta de Kassel. Frequentador assíduo destes contextos, José De Quadros sempre saciou nestas fontes sua sede, através de seu olhar curioso e aguda sensibilidade, do universo da arte contemporânea nacional e internacional. Ainda nestes contextos, foi assistente de Anselm Kiefer, Cildo Meireles e Tunga, entre outros.

Como vive há um tempo também na Alemanha, a evolução sócio-político-cultural deste país também é objeto de suas obras. Na exposição, são apresentados jornais originais do período nazista na série denominada Tempos para Desenhar. Sobre eles, o artista pinta insetos e outros animais que representam a praga a disseminar em seu entorno, uma poderosa referência sobre um perigo ideológico iminente. Esta obra, de caráter simultaneamente crítico e vigilante, repassa-nos uma nova perspectiva da esfera social durante o período do nazismo, quando todos os cidadãos que não atendiam a um padrão pré-estabelecido estavam destinados ao extermínio. Segundo José De Quadros: “Os desenhos e a sobrepintura velam a grande tragédia que ali atrás se esconde. Assim velados, eles se tornam misteriosos e aguçam a curiosidade: o que realmente aconteceu? Talvez esse seja o grande trunfo desse trabalho: destruir algo para construir o novo”.

“Transitando entre a pintura e o desenho, ambos em diferentes técnicas e suportes, José de Quadros é um artista do ateliê, entendido como o território do exercício criativo, que em toda a sua obra se inspira e dialoga empaticamente com personagens e questões histórico-sociais relacionadas a suas vivências pessoais”, conclui a curadora Tereza de Arruda.

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