Nara Roesler Rio de Janeiro tem o prazer de apresentar Construtor de memória, individual de Fábio Miguez que reúne em torno de 30 pinturas realizadas ao longo de 2023, e que representam novos desdobramentos da sua série “Atalhos”. Os exemplares mais recentes da pesquisa se dividem em dois percursos principais desenvolvidos a partir de seu campo referencial pessoal e afetivo: pinturas em pequeno formato, de releituras de fragmentos de obras de mestres renascentistas, e experimentos combinatórios e geométricos derivados da planificação esquemática de volumes.
Mais do que o nome de uma série, “Atalhos” é um conceito norteador da prática de Miguez. “Atalhos permite a junção de trabalhos formando sentenças. Dependendo da vizinhança, eles ganham, inclusive, outro sentido. Essa é a ideia do atalho, a passagem de um campo referencial a outro, que se dá na criação desses conjuntos propondo possivelmente novos sentidos”, explica o artista.
Nos últimos anos, Miguez tem se dedicado a releituras feitas a partir de fragmentos de obras de mestres renascentistas como Simone Martini, Giotto, Fra Angelico, e Piero della Francesca. Pioneiros no domínio da espacialidade, da perspectiva e do ilusionismo no campo da pintura a partir de fins do século 13, estes mestres construíram em suas representações composições inovadoras que incluíam estruturas arquitetônicas complexas, em geral como cenários para acontecimentos de cunho religioso. Ao revisitar essas antigas pinturas, Miguez remove os episódios narrativos das representações, dando protagonismo ao espaço, destacando a geometria presente nestes fragmentos deslocados pelo artista.
Ao enfatizar o aspecto espacial das composições pré-renascentistas, o artista também estabelece um ponto de contato entre elementos da história da pintura europeia com a arte brasileira, em especial os movimentos do século 20 ligados à tradição construtiva, que se detêm com mais profundidade na forma e na espacialidade.
O segundo atalho da série nos leva a outra dimensão da investigação, que deriva de uma pesquisa iniciada através da planificação de caixas de papel: por meio dos esquemas por elas obtidos, Miguez passou a observar a estrutura combinatória ali presente, as regras que compunham o conjunto, e as exceções sugeridas por essas regras, por meio das quais o trabalho foi se desdobrando em uma série de possíveis composições e novos arranjos formais.
Essa lógica de combinações, regras e exceções também pode ser observada no modo como os conjuntos de obras estão organizados na exposição. Seja nos conjuntos que reúnem as releituras dos mestres ou no conjunto que reúne as derivas combinatórias alcançadas através do exercício de planificação, o espectador é convidado a desvendar as exceções produzidas pelas regras criadas pelo artista.