Espúrio | C. Galeria

Recebi do Felipe um texto de entrevistas com Matisse, chamado “Essa moda de distinguir entre figurativo e não-figurativo” (frase do artista numa carta a um amigo). Os pontos destacados por Felipe – “[…] gosto sobretudo do que ele fala na última resposta, mesmo sendo um pouco vaga e até meio mística, hahah […]” – e outros que encontrei em escritos de sua última individual, Barulho, me mostraram uma confluência a princípios que ele leva para sua própria pesquisa. Para Matisse: um artista que exprime o tema por síntese, mesmo parecendo se afastar dele, deve trazer consigo a explicação desse tema. Trazer sua lembrança real e das reações desse em seu espírito. “Parte-se primeiro de um tema. A sensação vem a seguir. Não se parte de um vazio. Nada é gratuito.”
Acho que síntese (reunir elementos diferentes, concretos ou abstratos, e fundi-los num todo coerente), mesmo parecendo um dado de muitos dos meus trabalho, é muito mais uma palavra para Matisse e Felipe, do que minha. As imagens mentais, intuitivas, aquelas que talvez apareçam primeiro nos desenhos de Felipe, apesar da simplicidade, não deixam de ser mote. As telas pedem mais camadas, processo e afastamento. Nelas, se opera por meio da pintura, mas aquela que quer permanecer pintura. Talvez, me perceba mais atento a essa como interface, um campo para se estabelecer relações de sistemas outros, deslocamentos… a pintura é essencial por ser através dela que se descobre o quanto da imagem será promessa – aqui somos semelhantes.
Agora, sobre o modo como trabalhamos para esse projeto, na maior parte pintando sobre uma obra já realizada pelo outro, em sua maioria trabalhos que Felipe de forma corajosa deixou comigo. Será que apesar da tela preenchida, não partíamos de um vazio? O ato contrafeito, o que desnatura… pela lógica de Matisse: o quão gratuita seria a imagem do outro – principalmente a menos figurativa – quando ressignificada, distanciada de sua essência inicial? A operação agora tende para um outro lado que me agrada mais. Lembro de Richter nos “Escritos de artistas – anos 60/70”, uma década depois das entrevistas de Matisse, que aborda a relação da foto em sua pintura – ”Acreditar, por um lado: informar e profetizar sobre cada situação de tempo e local; por outro: tirar o valor de uso de um objeto e acreditar nesse objeto.”
A troca de mãos é importante… começar a partir do que não faríamos. Tomar de empréstimo, ou emprestar ao outro?
Espúrio se mostrou uma boa palavra:
– Hipotético; que não é certo nem verdadeiro ou real.
– Falsificado; que foi adulterado.
– Apócrifo; cuja autoria foi atribuída a quem não a compôs.
– Que não faz parte do vernáculo; que não pertence à linguagem correta.
– Bastardo; não legítimo.
Contaminar com imagens o imaginário intuitivo mais abstrato, é uma outra questão. Encontramos em representações de dioramas e vestígios que levam à pista de esqui que existiu na década de oitenta em Petrópolis – cidade em que ambos vivemos nossas infâncias – um gatilho para reforçar o elo ao inautêntico, ao hipotético e o artificial: aquilo que não dá conta da experiência a que se refere. A própria etimologia de Diorama – através daquilo, o que é visto – também diz um pouco sobre essa troca.
Para entender nosso diálogo, cabem analogias a termos da própria pintura: o método direto, Alla Prima, enaltece a expressividade, a espontaneidade. O indireto, por meio do Underpainting ou Dead Layer – gosto sobretudo desses como palavras – prioriza o pensamento alquímico, as articulações das camadas. Assim, o outro – antagônico? –, traz a camada suplementar ou apenas uma distinta?
Importou o diálogo e o exercício.
Bruno Belo

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