Chico Silva | Centro Cultural Octo Marques

Páginas de livros e folhas de cadernos usados pelos filhos na escola, pedaços de papelão, embalagem de cimento ou outros materiais encontrados na rua servem de suporte para os desenhos e pinturas de Chico Silva, que inaugura sua primeira exposição individual em Goiânia, no dia 4 de abril, no Centro Cultural Octo Marques. Com curadoria de Paulo Henrique Silva, a mostra intitulada Quando a Carne se Faz Chama apresenta cerca de 100 obras, entre telas e desenhos sobre papel, incluindo trabalhos inéditos e peças pertencentes a colecionadores que têm impulsionado o mercado de arte goiano. Além disso, serão apresentadas as primeiras pinturas em tela do artista, até então realizadas apenas sobre papel. São 25 obras em médios e grandes formatos, resultado da residência no Barranco Ateliê, em Anápolis, no ano passado.

Oriundo de Presidente Dutra, no Maranhão, e radicado em Anápolis desde os 19 anos, Chico Silva é um expoente da arte naif, caracterizada por uma expressão espontânea e intuitiva. Desde a infância, sua compulsão por desenhar se manifestava em qualquer suporte disponível, das paredes de pau-a-pique ao “chão liso e duro” de sua casa. Enfrentou desafios familiares e financeiros, mas nunca deixou de produzir. Hoje, sua obra ganha notoriedade ao abordar temas como a violência contra o corpo feminino, a relação entre o humano e o bestial, a fragilidade das estruturas políticas e a reconfiguração da matéria orgânica.

A exposição, realizada com fomento da Lei Federal Paulo Gustavo, se divide em quatro eixos temáticos. No primeiro, Chico retrata a corporeidade feminina de maneira crua e impactante, denunciando a erotização e mercantilização do corpo negro. Em seguida, ele adentra um imaginário simbólico onde figuras antropomórficas e animais se fundem, evocando instintos primordiais. Na terceira série, o artista volta seu olhar para a capital federal, representando-a em cenários caóticos, com edifícios em chamas e helicópteros armados, refletindo a fragilidade institucional e o colapso social iminente. Por fim, sua produção escultórica ressignifica troncos e galhos descartados, conferindo-lhes nova vida e função.

A linguagem visual de Chico é marcada por cores vibrantes aplicadas de maneira chapada, dialogando com a arte bruta e popular. Seu trabalho transcende a estética convencional e se afirma como um manifesto visual de resistência. Para o curador Paulo Henrique Silva, “as adversidades não o impediram de expressar o que sente, de dar voz a tantos que também vivem à margem. Daí a força política e social que emana de sua produção”.

A trajetória de Chico Silva é um testemunho de resiliência e paixão pela arte. Embora tenha crescido sem saber o que era arte, no sentido formal, e tenha vivido e ainda viva sem condições financeiras de acesso a bens que facilitariam sua produção, o artista jamais se deixou silenciar. Nem quando apanhava da mãe que o repreendia por desenhar – atividade que não lhe daria futuro, dizia ela – e nem agora quando lhe falta dinheiro para comprar bons papéis, tintas e pincéis.

Se antes seus desenhos eram motivo de castigo, hoje são instrumentos de provocação e reflexão. Sua primeira exposição individual em Goiânia é uma oportunidade para o público conhecer de perto a obra de um artista que transforma o cotidiano em arte e a arte em ato político, afirma o curador Paulo Henrique Silva.

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