Andrey Guaianá Zignnatto | Museu da Cidade de São Paulo Solar da Marquesa de Santos

ALICERCE #2, 2020, Andrey Guaianá Zignnatto

A construção do lar a partir de memórias afetivas é tema constantemente presente na vida e trabalho de Andrey Guaianá Zignnatto. Para a exposição CO YBY ORE RETAMA [Esta Terra é Nosso Lugar], em cartaz a partir de 25 de setembro no Museu da Cidade de São Paulo – Solar da Marquesa de Santos, o artista equilibra forças de universos distintos – vida urbana e ancestralidade indígena – para reconstruir um Tekoa [lar] de fôlego em tempos de sufocamento. Com curadoria assinada por Sandra Ará Reté Benites e produção de Ellen Navarro, são exibidas obras em diversos suportes, como escultura, instalação, performance, vídeo arte, objetos, pintura e fotografia, que se utilizam de materiais como concreto, cerâmica, saco de cimento, jenipapo, carvão e livros, misturando a vida urbana com o universo das aldeias.

A escolha do Solar da Marquesa não aconteceu por acaso: o centro cultural está localizado onde antes do período colonial paulista foi Inhapuambaçu, aldeia Tupinaky’ia da qual Zignnatto é descendente por parte de pai e que sofreu apagamento total de seu universo ancestral.

O artista também possui ancestralidade indígena por parte de mãe, dos Guarani Mby’a, povo que o auxilia num processo pessoal de retomada como aba [homem] indígena. “Apoiado sobre essas poucas memórias que me sobram como herança, na arte e suas muitas potencias, me esforço para desenvolver um processo de reflorestamento do universo ancestral de minha família, onde este esforço se inicia no território de meu próprio pensamento e espírito e toma forma em meu trabalho”, reflete o artista.

Os trabalhos são frutos das memórias afetivas da época em que o artista trabalhou como pedreiro, dos 10 aos 14 anos de idade, e das memórias ancestrais de sua família indígena Tupinaky’ia e Guarani. “A arte é o meio possível que encontrei para equalizar as memórias afetivas de minha vida urbana e de minha experiência como pedreiro participante da construção de cidades com minhas memórias ancestrais indígenas”, comenta Andrey.

FENDA #2, Andrey Guaianá Zignnatto

Sobre as obras

A série ALICERCE exibe esculturas produzidas com placas e pilares de concreto apoiados sobre vasos cerâmicos indígenas. Os grandes e pesados objetos geométricos de concreto deformam os vasos que os sustentam, demonstrando o embate entre o moderno e os povos originários.

Já em ABAPORU #1, o trabalho traz um tríptico composto por uma folha de papel reciclado tingido de preto com jenipapo, um documento de autenticidade de um desenho de Tarsila do Amaral e um comprovante de compra de um exemplar original da Revista de Antropofagia. A folha de papel reciclado é produzida pelo trituramento em liquidificador do desenho de Tarsila e o exemplar da revista. Depois, é tingida com jenipapo, como sinal de luto perpétuo.

“A obra de um artista indígena é uma obra que vem da tentativa de tradução da luta indígena em prol do território físico e do espaço subjetivo do pensamento. Essa obra é muito especial por conta disso, porque ela traduz esse movimento de resistência, de sobrevivência e de expansão nesses espaços”, pontua a curadora Sandra Ara Rete Benites.

CO YBY ORE RETAMA propõe, para além de um retorno ao lar do artista, um convite para o público habitar este Tekoa em território físico, mental e espiritual desenvolvido por Andrey. Ainda de acordo com Sandra, “a importância do coletivo para o indivíduo e do indivíduo para o coletivo é essencial na arte indígena. A obra é materializada pelo indivíduo, mas o pensamento é um processo que ocorre no coletivo. Apesar da obra de Andrey falar do processo histórico de sua família, ela fala também por todos os demais indígenas que foram soterrados nas cidades por toneladas de concreto e indiferença”.

A mostra se estende para outros três espaços da cidade de São Paulo: Galeria Janaina Torres, Atelie Alê e Museu Casa Sertanista, complementando os trabalhos principais da pesquisa no Solar da Marquesa. A exposição na Janaina Torres, a partir de 9 de outubro, marca a inauguração do novo espaço da Galeria na Santa Cecília.

MESTIÇAGEM #1, Andrey Zignnatto

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