As lembranças talvez tenham sido a tônica de 2020, um ano que gerou memórias que ainda não sabemos como guardar. Dos sentimentos de conforto relacionados ao passado, regamos nossos dias incertos. Paradoxalmente vivemos tempos em que o alento está em tocar o passado mirando para um futuro que parece não chegar. Na falta de contato físico, foi na imaginação e nas imagens que nos aproximamos uns dxs outrxs.
Não sei se ainda lembro de como éramos antes. E você, ainda lembra do toque? Aceitar o aperto de mão de um estranho, esbarrar em um desconhecido, deixar que o toque alheio cuide do meu/seu corpo. Nesse processo o toque se voltou para nós mesmos na forma de autoconhecimento e de cuidado. Estamos vivendo tempos em que escapar de nos olharmos e sentirmos parece ser algo impossível e doloroso.
É nesse lugar entre a lembrança, o tocar e o enunciar, que se encontram os trabalhos de Gio Soifer e Elenize Dezgeniski. A palavra enuncia a possibilidade, ao mesmo tempo em que se afirma enquanto chamado: Aterra, diz a bandeira de Soifer enquanto a mão aperta um ponto central do corpo. As imagens dos trabalhos de Soifer que estão presentes nessa exposição foram retiradas de um livro de Do-in, técnica ancestral de autocuidado que envolve conhecer os lugares em que o corpo fala do acúmulo que enrijece movimentos e gestos. A artista nos convida para empregarmos montantes de pressão em nós mesmos e aliviarmos os lugares de tensão.
Dezgeniski ativa imagens geradas pelas palavras que falam estrategicamente sobre nós mesmos. Uma pequena peça de cerâmica carrega a palavra “lembra”. A peça tem origem na demolição do hospital Bom Retiro, o maior hospital psiquiátrico da cidade de Curitiba, demolido em anos recentes e deixando, momentaneamente, um terreno vazio. Cada vez em que o espectador lê a palavra registrada no azulejo é levadx para um não-lugar povoado por vestígios das experiências vividas.
Ainda lembro do toque é uma exposição realizada em meio a uma pandemia que transformou, em um espaço curto de tempo, a maneira que compreendemos a nós mesmos. Forçados a lidarmos com nossas lembranças descobrimos a corporalidade envolvida no distanciamento, ao passo em que seguimos esperando o momento de voltarmos a nos tocar.
Por Milena Costa
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‘O que pode o gesto na memória?
Um espaço usualmente dedicado à imagem dá lugar ao sublime da palavra. Somos convidados ao respiro, ao cuidado, ao aterramento, a perceber o chão e ao mesmo tempo recorrer aos subterfúgios da imaginação para não nos entregarmos ao esquecimento. O caminho pelo espaço nos dispara outras possibilidades de conexão com o passado, mas também nos faz perceber o presente através do toque e projetar outros futuros com maior atenção aos detalhes. É como contemplar nuvens: é necessário o deslocamento da vista para o olhar o céu. No entanto, uma vez que retornamos o olhar para baixo, precisamos dar continuidade aos passos e elas já não mais seguirão do mesmo formato.’
Por Talita Braga
Quem não é de Curitiba, pode entrar em contato com a galeria pelo email galeriapontodefuga@gmail.com com o título ‘Ainda lembro do toque’ que as curadoras darão continuidade ao contato para que esta pessoa receba um disparo/fragmento da mostra via mensagem de celular ou correio.