A arte do pós-guerra buscou construir novas utopias a partir do fracasso dos projetos iniciais modernistas. As pesquisas abstratas se desenvolveram em diferentes lugares como resposta a essas necessidades. A migração de artistas e pensadores do velho mundo para às Américas pulverizou uma hegemonia europeia de séculos e transformou ambientes e trajetórias. Além disso, as inovações industriais mudaram definitivamente as relações de criação, produção e consumo.
No Brasil, a década de 1950 consolida princípios modernos e uma promessa de nação que teve como símbolo a construção de Brasília. A interação com vanguardas internacionais extinguiu o regionalismo e ampliou as possibilidades no campo da criação abstrata. As experiências mais formalistas se organizaram em grupos, movimentos, manifestos e propostas teorizadas. Outros artistas se aventuraram em expressões mais gestuais, líricas, ou composicionais, com um destaque para a contribuição nipônica que incorporou tanto o grafismo dos ideogramas como a consciência do vazio própria da tradição japonesa.
No ocaso das utopias modernas, o século XX se desenvolveu entre grandes conquistas sociais e democracias fragilizadas. As duas únicas telas pintadas por Oscar Niemeyer, presentes nesta exposição, retratam a capital federal em ruínas numa impactante imagem premonitória. Realizadas no trágico ano de 1964, elas ilustram o paradoxo entre o projeto e a realidade.
Esta mostra, realizada em 2023 no Rio de Janeiro e em itinerância agora em São Paulo, reúne produções de diferentes naturezas, matrizes e inquietações. Como provocação curatorial e objeto de estudo, são trajetórias fundamentais para a compreensão das bases que sustentam nossa produção artística contemporânea e que fazem parte das nossas tantas histórias da arte.
Marcus de Lontra Costa e Rafael Fortes Peixoto
“As experiências abstratas no Brasil, principalmente aquelas desenvolvidas a partir da década de 1950, transformaram definitivamente o nosso ambiente cultural. Além da libertação da necessidade de representar o real, que é natural em qualquer processo de abstração, esse deslocamento também trouxe consigo uma emancipação de temas regionais e de projetos modernistas que buscavam criar uma ideia de identidade brasileira. Isso gerou uma relação de diálogo com as vanguardas internacionais, que no Brasil, foi fundamental para a estruturação de um cenário artístico mais diverso com experimentações de várias naturezas.”
Rafael Fortes Peixoto
“No pós-guerra, o Brasil agrário e rural transformou-se numa sociedade urbana e em processo de industrialização acelerado. Os movimentos artísticos surgidos no período buscavam incorporar a construção e a poesia através de artefatos identificados com a formatação de uma nova utopia que provoca e impulsiona o saber humano. A abstração geométrica propõe a valorização de espaços de ação e interação coletiva e a abstração informal busca recuperar o gesto e a ação do corpo na elaboração artística. Essas vertentes acabaram por constituir o “berçário” da inquietação artística presente ainda hoje no cenário artístico contemporâneo do país.”
Marcus de Lontra Costa