EntreMeadas | Sesc Guarulhos

FOTO: Mariana Chama

A partir do dia 30 de abril o Sesc Guarulhos recebe montagem da exposição EntreMeadas, que traz obras de artesãs de diversas cidades do Estado de São Paulo. Idealizada pelo Sesc São Paulo, com curadoria da crítica e historiadora do design Adélia Borges, a mostra teve sua estreia no Sesc Vila Mariana, onde permaneceu em cartaz de outubro de 2019 a fevereiro de 2020. A exposição fica em cartaz de 30 de abril a 14 de agosto, com visitação gratuita.

EntreMeadas

A mostra dá destaque ao artesanato brasileiro feito por mulheres e valoriza o patrimônio cultural ao reunir o trabalho de artesãs e coletivos de diversas cidades paulistas, para as quais o artesanato é um meio de expressão, de afirmação de identidade e de geração de renda.

Com riqueza de trançados, cores e formas, a exposição apresenta obras artesanais e suas raízes – desde o material escolhido, a comunidade de origem e a artesã criadora.

O trabalho de curadoria também se destaca pelo recorte geográfico. Durante o processo de pesquisa Adélia Borges mapeou uma rica diversidade artesanal, que tem como resultado uma mostra com obras feitas por 23 participantes, na capital paulista e em outras cidades do estado: Américo Brasiliense, Atibaia, Bauru, Bertioga, Cananéia, Carapicuíba, Eldorado, Guapiara, Guarulhos, Miracatu, Olímpia, Osasco, São Bento do Sapucaí e Tremembé.

A exposição chega agora ao Sesc Guarulhos enriquecida com três novas participações, revelando que, no entorno da Unidade, também há iniciativas dignas de conhecimento e reconhecimento – Elizabeth Regina, do Abayomi Onã, com a confecção de bonecas Abayomis, o Projeto Tear, que integra a Rede de Apoio Psicossocial do município e através de oficinas com o público produz peças diversas, como bolsas, mantas e sacolas, além da artesã Cleide Toledo, que trabalha com fibras naturais na confecção de cestos, bolsas e outros objetos, e extrai a matéria-prima de seu trabalho de áreas próximas à sua casa na Zona Leste paulistana. Atualmente, os brejos nos entornos do Presídio de Guarulhos e da Rodovia dos Trabalhadores são a fonte para a extração da fibra de taboa com que faz uma infinidade de peças.

FOTO: Mariana Chama

As artesãs

Diferentes materiais e técnicas foram utilizados pelas artesãs na produção das obras expostas. As Rendeiras da Aldeia, de Carapicuíba, se dedicam à renda Renascença, saber transmitido pela mestra Wilma de Fátima da Silva, imigrante pernambucana.

Nhanduti de Atibaia, conduzido pela mestra Elizabeth Horta Corrêa, é o grupo dedicado à renda Nhanduti, também conhecida como Tenefire ou Sol, por ser sempre circular.

Eliana Bojikian Polito, de Bauru, especializou-se em renda frivolité. Devido à dificuldade de execução, algumas peças da mostra chegaram a levar 40 dias de trabalho para ser produzidas.

Integrantes da Oficina dos Anjos, que há 20 anos reúne frequentadores do Centro de Atenção Psicossocial (CAPs) Itapeva, elaboraram detalhes em capitonê, para a coleção inverno 2019 da marca Fernanda Yamamoto.

No Coletivo Ybyatã, que funciona no Ponto de Economia Solidária e Cultura do Butantã, Noriko Hiramatsu compartilha técnicas de bordado que trouxe do Japão, onde nasceu há 71 anos, com um grupo em atendimento psicológico.

As extensas plantações de banana rendem bem mais do que o alimento aos artesãos dos quilombos Ivaporunduva e Sapatu, de Eldorado, e da Banarte, de Miracatu, que usam a fibra da planta numa ampla gama de objetos.

Em Olímpia o trançado estrela persevera nas mãos de mulheres como Odete Coradini.

FOTO: Mariana Chama

No Vale do Ribeira, o investimento recente em espécies nativas de milho traz variedades de colorações para os trançados da Arte e Vida, de Guapiara. Os balaios e cestos de taquarinha seguem como uma prática cotidiana de indígenas Guarani.

Em São Paulo, temos a utilização da fibra de taboa, que é coletada em Guarulhos e trabalhada na capital paulista por Cleide Toledo.

As matérias primas podem incluir o que é considerado lixo, como as redes descartadas da pesca de camarão, reutilizadas pelas Mulheres Artesãs da Enseada da Baleia, em Cananeia.

Muitas histórias de vida emergem dos trabalhos feitos à mão. Neles se expressam identidades, esperanças, dores, sonhos. É o caso do Projeto Tear, de Guarulhos, que promove a inclusão social de pessoas em sofrimento psíquico por meio de oficinas de trabalho e da convivência.

As Bordadeiras do Jardim Conceição, de Osasco, há doze anos se uniram nesse bairro, nascido como uma ocupação urbana.

Oficinas no Sesc Bertioga geraram, em 2018, o Arte Roses, das irmãs Rosângela e Rosemeire Camilo de Souza, que retratam pássaros e plantas da Mata Atlântica.

Na ACTC – Casa do Coração, em São Paulo, mães usam linhas e linhos enquanto esperam o restabelecimento de seus filhos em tratamento cardíaco.

Já a Cooperativa Lili reúne cerca de 30 mulheres da Penitenciária Feminina II de Tremembé, enquanto a Abayomi Onã, de Guarulhos, trata da reconstrução das identidades das populações negras por meio da elaboração de bonecas de pano. O bordar, tecer, crochetar ou tricotar se tornam, assim, formas de escrita pessoal e coletiva.

Associado historicamente ao espaço doméstico e aos estereótipos de uma feminilidade reclusa, o bordado tem tomado novos rumos na contemporaneidade. Para muitas mulheres, ele se tornou uma forma de expressão de cidadania e de discurso político. O grupo Piradas no Ponto se reúne uma vez por mês no Parque Trianon, em São Paulo, no que suas integrantes definem como uma ocupação poética do espaço público.

FOTO: Mariana Chama

Integrantes do São Bento por Vários Fios eternizam em seus bordados o patrimônio material e imaterial da região de São Bento do Sapucaí.

Em São Paulo, uma parceria entre as Artesãs da Linha Nove, o Museu da Casa Brasileira e a Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Dona Leopoldina deu forma aos sonhos de uma cidade melhor por crianças em idade pré-escolar.

Na visão hierarquizada da cultura que permeia a nossa sociedade, o artesanato é visto como o último degrau, longe até da chamada “arte popular”. Para muitos, o vocábulo é uma forma de desqualificação sumária de quem o fez. Basta despir o olhar de preconceitos e pré-julgamentos para descobrir uma densidade poética notável em vários trabalhos. O painel elaborado pacientemente durante dois anos por mães e cuidadoras de alunos da Escola Municipal de Iniciação Artística, no Coletivo BordaEmia, em São Paulo, é um exemplo. No processo de sua confecção, enquanto o tecido ia incorporando as linhas coloridas, a escola pública foi ganhando novos olhares e cuidados.

Das terras indígenas Tenondé Porã, em São Paulo, e Takuari, de Eldorado, os povos indígenas Guarani Mbya confecciona artigos de cestaria, uma importante tradição do povo Guarani.

E de Américo Brasiliense, Lucinda Bento, cujas obras empregam a lã como matéria prima.

FOTO: Mariana Chama

Homenagem a uma guerreira 

A temporada de EntreMeadas em Guarulhos também presta homenagem a uma mulher muito especial: Lucinda Bento. Nas pesquisas para a primeira edição da exposição seu nome se destacou, tanto pela pulsão artística de seu trabalho quanto por sua capacidade de articulação e liderança.

Em outubro de 2019, quando mais de 800 pessoas se reuniram no Sesc Vila Mariana para a abertura da exposição, ela falou em nome das participantes. Mesmo debilitada, Lucinda deu o seu recado e transmitiu o carisma de alguém que via na beleza e na cultura uma forma de encantar o cotidiano. Lucinda faleceu um mês depois.

Como forma de homenagear Lucinda, esta edição da mostra traz uma de suas últimas obras e o vídeo Lucinda, mãe negra da cidade doçura, realizado em 2021 por Maria Moema, com recursos da Lei Aldir Blanc. O documentário mostra como ela contagiou moradores de Américo Brasiliense e a comunidade paulista de artesãos com seu exemplo, seus ensinamentos, sua alegria, sua intensidade. Com sua trajetória, essa guerreira demonstrou que as pessoas não precisam de escolaridade formal para conseguirem expressar uma alta voltagem criativa em objetos que elaboram com as próprias mãos.

Adélia Borges, que assina a curadoria da mostra, tem uma relação estreita com o artesanato: aprendeu a bordar com o grupo mineiro Matizes Dumont e realizou exposições e palestras, no Brasil e mundo, sobre a linha tênue entre o design e o artesanato. Em seu currículo acumula 40 exposições e 16 livros, entre eles Design + Artesanato: O Caminho Brasileiro (2011), no qual traça um panorama da revitalização recente do objeto artesanal brasileiro.  Por seu trabalho com a primeira montagem da mostra EntreMeadas no Sesc Vila Mariana, Adélia foi finalista no 11º Prêmio Governo do Estado de São Paulo para as Artes na categoria Patrimônio Cultural.

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