"Encruzilhada" no Parque Lage

A Escola de Artes Visuais do Parque Lage inaugura a exposição “Encruzilhada”, com curadoria de Bernardo Mosqueira, primeiro convidado do programa Curador Visitante, que estabelece uma nova política de exposições na instituição. “Encruzilhada” reúne cerca de cem trabalhos de mais de 70 artistas brasileiros, de várias gerações, que ocupam o Palacete, as Cavalariças, a Capela, a Torre, a Gruta, a Lavanderia dos Escravos, as trilhas e a área verde do Parque. Durante o período de exposição, a mostra conta com uma programação de performances, ações, encontros e palestras aos sábados. A cada semana, Mosqueira altera a montagem, resultando em novas vivências do público. 

A mostra reúne, lado a lado, nomes consagrados como Anna Bella Geiger, Antonio Dias, Cildo Meireles, Rivane Neuenschwander e Waltercio Caldas; artistas que integram a Bienal de Veneza deste ano – André Komatsu, Berna Reale e Paulo Nazareth – e ainda estudantes da EAV Parque Lage: Carol Valansi, Maya Dikstein, Odarayá Mello e Tiago Malagodi, entre outros. Vários trabalhos foram feitos especialmente para a exposição, outros são históricos na arte contemporânea brasileira, como o vídeo “Telefone sem fio”, de 1976, com Anna Bella Geiger, Paulo Herkenhoff, Fernando Cocchiarale, Ana Vitoria Mussi e Leticia Parente. As obras foram selecionados pelo curador Bernardo Mosqueira, que investiga o conceito de “encruzilhada” e suas implicações, a partir de diversas abordagens. Ele convidou para assistente de curadoria Ulisses Carrilho, estudante da EAV Parque Lage.

 

CURADOR VISITANTE

O programa Curador Visitante consiste em convidar curadores residentes no Rio e atuantes no circuito da arte, para que acompanhem a produção dos alunos da EAV e realizem uma exposição mesclando seus trabalhos com o de artistas já reconhecidos. “Ao convidar agentes do sistema da arte – críticos, escritores e curadores – a fazerem curadorias experimentais nos espaços do Parque Lage, o programa Curador Visitante garante uma fluidez entre o período de aprendizado e a inserção profissional dos alunos, e ao mesmo tempo oferece a esses curadores a possibilidade de exercer um trabalho piloto, de caráter experimental, inserido em âmbito educativo”, diz Lisette Lagnado, diretora da EAV Parque Lage. 

Mosqueira comenta que utilizou três métodos simultâneos de pesquisa sobre o significado de “encruzilhada”. “O primeiro, e mais habitual no sistema das artes, foi uma articulação do conhecimento acadêmico ocidental, entre Baruch Spinoza, Friedrich Nietzsche, Herbert Marcuse, Mario Perniola, Toni Negri, Milton Santos e Muniz Sodré. O segundo método surgiu da cosmologia de ancestralidade africana (ou de genealogia afro-brasileira) e comungou de uma série de consultas a Orunmilá, em especial de um jogo de búzios com a grande ialorixá Mãe Beata de Iemanjá e com o amoroso Bruno Balthazar”, explica. “O terceiro caminho foi uma espécie de dispositivo analítico de linguagem pelo qual, após procurar sinônimos e traduções da palavra ‘encruzilhada’, buscamos a diferença entre os termos para, então, a partir desses coeficientes, listar suas qualidades singulares. Desse modo, fomos capazes de entender que a encruzilhada é onde/quando os vetores espaciais cruzam os vetores temporais. Do ponto de vista da percepção, é quando nos surpreendemos com uma situação em que sentimos a necessidade de agir, mas não sabemos que escolha fazer. Ou seja, investimos na ação, num ícone da transformação e da possibilidade e, portanto, signo propício aos encontros, ao desejo e à comunicação. Porém, mais do que intencionar expor um estudo sobre a encruzilhada, esta curadoria tem como objetivo propor o exercício da encruzilhada. Dessa forma, serve à análise do momento político do país, mas serve também para pensar a crise ecológica mundial e as negociações do real nas relações amorosas, por exemplo. De maneira mais ampla, ela se compromete com a pedagogia da análise crítica e serve diretamente a um projeto educativo de caráter transdisciplinar e experimental como o da atual Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Em nosso programa, mais do que um tema, a encruzilhada é cultuada e construída para provocar reflexões. Ela é simultaneamente o objeto da pesquisa, mas também o processo em si e um resultado que toma a forma de uma exposição, com programação, conteúdo e reverberação. Não desejamos produzir uma metáfora da encruzilhada: projetamos como efeito a própria encruzilhada”.

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