Cícero Alves dos Santos na exposição "Véio", Esculturas na Galeria Estação

Cícero Alves dos Santos (“Véio”) ocupa uma posição singular no meio de arte brasileiro, embora esta seja apenas sua segunda exposição individual.

As obras que ele vem mostrando revelam dimensões que se diferenciam marcadamente do que denominamos “arte popular”. Suas esculturas combinam aspectos da tradição popular (a escultura em madeira, o aproveitamento das figuras sugeridas por troncos e galhos, o uso de ferramentas rudimentares) com cores intensas – muito mais próximas das cores industriais que dos matizes delicados da natureza. Essa estridência algo pop é intensificada por uma imaginação formidável, que nos faz ver em suas madeiras figuras híbridas, que compartilham traços dos bichos que conhecemos com os androides e transformers de filmes e desenhos animados.

Por outro lado, com um simples canivete, Cícero esculpe formas diminutas em tamanho, mas com uma figuração enigmática, que lhes restitui a força reduzida pela escala. Homens e mulheres sobem e descem montes sem razão aparente, entram e saem de portas que não conduzem a parte algum, bichos cavalgam bichos, mulheres carregam pedaços de animais na cabeça. Há nesses pequenos entalhes um aspecto mais realista na realização das feições de pessoas e animais. Desconhecemos no entanto o sentido de seu comportamento.

Cícero Alves dos Santos vive nos arredores de Nossa Senhora da Glória, uma importante cidade do sertão de Sergipe, com aproximadamente 50 mil habitantes e uma feira de renome no Estado. Às sextas e sábados, a feira atrai gente de todos os cantos para negociar galinhas, jumentos, porcos e aparelhos eletrônicos de toda sorte mais muita quinquilharia importada da China e talvez do Paraguai.

A convivência com um ambiente tão ambíguo e dinâmico certamente instigou ainda mais o talento desse sertanejo incomum, que fez da preservação da memória de sua gente a razão de sua existência. Memória não é nostalgia. Por isso, para afirmar toda uma arte com origem num mundo rural que vai desaparecendo, Cícero precisou tornar-se o criador de uma categoria de arte que não existia. Esta.

Rodrigo Naves
Curador

 

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